Copenhague: expectativas irreais ou avanços históricos?

Data: 04/11/2009

Copenhague: expectativas irreais ou avanços históricos?


O mundo vive um momento crucial, em que líderes das principais nações discutem com inédita dedicação um novo regime internacional de clima. Nessa direção, a Conferência das Nações Unidas sobre Clima (COP 15) – que será realizada de 07 a 18 de dezembro na capital da Dinamarca – poderá entrar para a história como espaço de debate viabilizador do surgimento de um acordo entre as nações com vistas a alterações significativas no padrão de produção e consumo mundiais.

A definição de metas ambiciosas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE), a fim de diminuir o grave impacto da mudança climática em suas dimensões ambiental, econômica e social é o grande desafio da humanidade, com os líderes políticos travando um debate no qual nenhuma nação quer sair perdendo ou pagando a conta sozinha.

Nesse cenário, a COP15 é vista como a chance que não deve ser desperdiçada. Como destaca o pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, José Marengo, os negociadores devem levar em conta a urgência apontada pela ciência. “As constatações científicas a respeito do aquecimento do planeta devem ser consideradas mais seriamente e não apenas quando acontece algum desastre natural, pois não há tempo para inação. O clima não obedece acordos ou protocolos”, alerta o cientista.

O primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, reafirmou publicamente, por diversas vezes, que a conferência em Copenhague é a contagem regressiva para "salvar o mundo" do aquecimento global.

E embora tenha sido noticiado que a ONU está diminuindo as expectativas em relação a que um novo acordo global seja efetivado, o secretário-executivo da Convenção do Clima, Yvo De Boer, adverte que adiar o novo acordo global para 2010 seria desastroso. “Um fracasso em Copenhague significaria na verdade terminar com menos do que nada, já que haveria menos confiança nesse processo multilateral e novas prioridades políticas surgiriam no horizonte”, disse.

Um longo caminho a ser percorrido

O caminho para o alcance de um acordo efetivo é longo e o tempo é curto. Mas para o cientista político Sérgio Abranches, a COP 15 certamente será um divisor de águas – mesmo que não alcance o resultado esperado, poderá gerar um saldo positivo. “É muito grande a expectativa mundial nesse acordo e por isso um fracasso cairá como uma bomba. Isso iria alertar ainda mais as sociedades, criando maior pressão para que em 2011, na próxima COP, se estabeleça um patamar melhor de negociação”, analisa.

Ele ressalta que já foi mais otimista quanto aos resultados da conferência do clima, mas acredita ainda existirem boas chances de Copenhague resultar em um acordo. “Os Estados Unidos dependem da aprovação da lei climática pelo Senado e só com esta lei em mãos o presidente Barack Obama terá claramente algo a mostrar. Somado a isso, existem as regras que ele está impondo, por meio da agência ambiental americana, a Environmental Protection Agency (Epa). Está sendo preparado um arsenal de medidas domesticas suficientemente poderoso para fazer a diferença nessa COP”, avalia.

Segundo o cientista político, o governo chinês tem evoluído muito bem após a Cúpula do Clima, realizada em Nova Iorque, em setembro de 2009, mas ainda deve fazer jogo de cena e endurecer bastante nas negociações. “Apesar dessa expectativa, acredito que no final das contas a China vai apresentar uma proposta, que do ponto de vista da funcionalidade de um novo acordo, colocará o país na rota de compromissos mais fortes a partir de 2020, que é mais ou menos o que se espera dos países emergentes”, aposta Abranches.

“A expectativa é grande para saber o quanto os chefes de estado estão dispostos a se comprometer em dezembro, surgindo como verdadeiras lideranças que possam conduzir as negociações e dar respostas concretas aos argumentos da ciência sobre os riscos climáticos. Hoje ainda estamos num jogo de espera, um só anda se o outro se mexe. Mas ainda há tempo para decisões, embora seja curto”, expressa o coordenador do programa de Mudanças Climáticas do WWF-Brasil, Carlos Rittl. Para o economista José Eli da Veiga, um dos principais obstáculos é que os países ainda veem as mudanças como um sacrifício. “Se houvesse vontade de mudar, seria bem mais fácil", afirma.

O nó da economia do clima

Um dos pontos-chave do debate sobre mudanças climáticas é o consenso em limitar a elevação da temperatura média global a 2º C em comparação aos níveis pré-industriais. Segundo a comunidade científica, esse é o teto máximo, a partir do qual as implicações do aquecimento global podem se tornar muito mais severas à humanidade. Se o cenário de crescimento mundial seguir o modelo tradicional (business as usual) esse limite será ultrapassado e por isso especialistas defendem a mudança na trajetória das nações ricas e em desenvolvimento.

Mas quem pagará a conta? Afinal, reduzir as emissões tem custo. Atualmente estima-se que seria necessário algo entre 100 e 200 milhões de dólares por ano em financiamento de iniciativas e transferência de tecnologia para que os países em desenvolvimento pudessem oferecer uma contribuição adequada ao enfrentamento do fenômeno. Definir metas, garantir os recursos e mecanismos para atingi-las. Entretanto, estas são questões de difícil resposta, que encontram-se no núcleo do atual debate sobre clima.

“Para que os países ricos estabeleçam uma meta de redução das emissões de carbono na atmosfera maior que 40%, por exemplo, necessariamente devem definir recursos e onde aplicá-los. O custo de fazer isto em seus próprios territórios é alto; fica muito mais barato investir em mitigação nos países em desenvolvimento, por meio de financiamento e transferência de tecnologia. Assim definir fonte de recursos, divisão de responsabilidades, mecanismos de financiamento e onde aplicar o recurso são os desafios de Copenhagen e, para os próximos anos”, explica o economista e pesquisador do Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas - IPEA, Ronaldo Seroa.

De acordo com o especialista, o esforço global só será efetivo se houver uma coordenação entre ações nacionais. “A questão hoje é política: cada nação deve ter um comprometimento de redução, mas respeitando as responsabilidades diferenciadas”, analisa. Já o economista José Eli da Veiga ressalta: “Um acordo mal feito, sem regras claras para financiamento da transferência de tecnologia entre nações, é pior do que um não-acordo”.

Em um panorama desse tipo – acordo fraco – a necessária transição do planeta para uma economia de baixo carbono se dará de forma muito mais lenta, acredita o professor Eduardo Viola, do departamento de Relações Internacionais da Universidade de Brasília. “Em um curto prazo, pode ser que exista um crescimento econômico mais rápido. No médio e longo prazo, é muito mais custoso,levando à uma estagnação crítica”.

Um olhar para o futuro

Sobre a projeção de cenários econômicos pós-COP15, a pesquisadora do Centro Integrado sobre Meio Ambiente e Mudanças Climáticas (Centro Clima) da COPPE/RJ, Carolina Dubeux, explica que dados realistas dependem do estabelecimento de consensos. “Só poderemos avaliar qual será o real impacto econômico de um novo acordo global quando soubermos quais são as metas e os prazos estabelecidos. Isso pode acontecer tanto agora, em Copenhagen, como em 2010”, afirma. “Não se trata de criar uma grande expectativa acerca da COP 15. É preciso ter em mente que mesmo sem um acordo definitivo agora, certamente haverá uma trajetória de negociações que seguirá crescente e, nesse sentido, vale destacar que economia e clima estão irreversivelmente casados”, avalia.

Carolina Dubeux destaca ainda que as mudanças no cenário econômico mundial também devem refletir iniciativas nacionais implementadas em paralelo aos acordos obtidos no âmbito da Convenção do Clima. “O mundo está correndo em direção à economia limpa e os países que não apresentem iniciativas de mitigação sérias poderão sentir os efeitos no mercado internacional. Basta lembrar que alguns países da Europa lançaram a proposta de taxar os produtos de países que não possuem meta de redução de emissões. A lei americana de clima, que está aguardando aprovação no Senado, também estabelece a possibilidade de criar barreiras comerciais a produtos provenientes de países sem compromissos”, ressalta.

Oportunidades

No campo das oportunidades, vale destacar as conclusões do estudo The Other Side of the Coin - The Economic Benefits of Climate Legislation (O outro lado da moeda – benefícios da lei climática, em tradução livre), elaborado pela Universidade de Nova Iorque, que analisou tecnicamente qual seria o impacto econômico resultante da aplicação da lei americana. A principal dedução é que para cada dólar a ser gasto com a redução das emissões, seriam gerados 2,27 dólares na economia do país.

Nesse sentido, cabe retomar um estudo da consultoria McKinsey & Company, divulgado no início de 2009, cujo resultado avalia que até 2030 três áreas se destacarão na transição para uma economia global “verde”, por suas oportunidades de baixo custo: eficiência energética, fornecimento de energia de baixo carbono e carbono terrestre. Estas três variáveis seriam responsáveis por um terço de todo o potencial global de mudança. De acordo com a pesquisa, a diminuição da demanda por eletricidade, o uso de energias alternativas (como eólica, nuclear e biocombustíveis) e a reciclagem das práticas agrícolas – grandes responsáveis pelo atual desmatamento tropical – diminuiriam as taxas mundiais de emissão de carbono.

O estudo aponta também que os gastos necessários para reduzir as emissões de carbono em 70% serão de, aproximadamente, US$ 810 bilhões até 2030, o que equivale a apenas 6% dos investimentos totais destinados às questões globais anuais.

Para o Brasil, o destaque é ainda maior, segundo o especialista em Mudanças Climáticas da McKinsey & Company no país, Marcus Frank. “Quanto mais agressivo o acordo em torno das metas, mais oportunidades serão geradas para o Brasil. Se houver diminuição das emissões provenientes do desmatamento e do agronegócio, responsáveis por mais de uma gigatonelada de emissões de carbono por ano, o país poderá continuar se desenvolvendo com tranqüilidade. A aposta na produção brasileira de biomassa precisa se diversificar e se sofisticar em direção a novas soluções. Podemos triplicar a produção de etanol, por exemplo. Produtos florestais e agrícolas de alto valor agregado vão criar pólos de geração de riquezas nas zonas rurais, o que significa desenvolvimento econômico e social”, avalia Frank.



(Envolverde/ANDI Mudanças Climáticas)




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