O que há em comum entre Al Gore e realidade brasileira

Data: 26/10/2009

O que há em comum entre Al Gore e realidade brasileira


Dia 13 de outubro passado, o ex-vice-presidente dos Estados Unidos, Al Gore, em reunião na FIESP - Federação das Indústrias do Estado de São Paulo declarou que cabe ao Brasil decidir sobre a Amazônia e ficou impressionado com a diferença de visão que havia entre os brasileiros e a comunidade internacional em relação à necessidade de se proteger a floresta.

O líder ambientalista comentou que um ponto importante que deveria ser incluído nas negociações no final do ano (na Dinamarca) é a “recarbonização” do solo. Segundo ele, atualmente, busca-se extrair o máximo do solo sem pensar em sua sustentabilidade em longo prazo, e sem considerar que ele retém mais carbono que a vegetação que sustenta. Conforme Al Gore, seria importante definir formas de remuneração pela manutenção do carbono no solo, viabilizando financeiramente a agricultura sustentável. Ele ainda lembra que na Amazônia há séculos capturavam carbono no solo, tornando-o mais fértil, o que ficou conhecido por “terra-preta”.

Fazendo um parêntesis, a terra-preta a que ele se refere é também conhecida como biochar. Bio = vida e char = oriundo da palavra carbonização. Este termo tem sido usado com muita freqüência em algumas bibliografias consultadas.

A imprensa em São Paulo, segundo o Portal MS, não teve acesso ao áudio do evento na FIESP por motivo de direitos autorais.

O discurso do ex-vice-presidente parece não estar de acordo com o pensamento da comunidade científica brasileira quando ele ressalta que há diferença entre as duas óticas: de brasileiros e da comunidade internacional. Quando ele assim se reporta aos brasileiros há uma exclusão automática do Brasil em relação à comesigna “internacional”. Há muitos pontos em comum entre brasileiros através da nossa comunidade científica e a comunidade internacional. A diferença de visão provavelmente se atém às políticas públicas até então adotadas, incipientes para o tamanho da Amazônia, região que representa 61% do território nacional. Eles não estariam sendo privilegiados simplesmente porque pensam assim. As florestas da “comunidade internacional”, ou seja, incluindo os países mais desenvolvidos foram postas a baixo. Não existem mais.

As ações que regem uma nação são desencadeadas pelos detentores do poder. Assim, quem define as políticas públicas para a Amazônia são os políticos e a própria ” comunidade internacional” quando usa de pressão para conseguir as benesses que a região Amazônica pode oferecer. Isso não é novidade para nós brasileiros. A inércia verificada nos últimos 50 anos na Amazônia defasa o que chamamos de problema versus solução que deveria ser urgentemente adotada para evitar o desmatamento da floresta. Um dos exemplos é a adoção do Pagamento por Serviços Ambientais - PAS, uma política pública com ciclo de vida ainda muito curto. A Amazônia se diferencia das demais regiões brasileiras porque historicamente está baseada numa economia extrativista. A visão sobre a sustentabilidade ainda está sendo lenta e não acompanha a devastação da floresta que tem se verificado nos últimos anos.

Como aos detentores do poder cabe decidir o futuro do País e da Amazônia, configurou-se um engessamento da máquina pública impossibilitando uma rápida solução aos problemas de uso e ocupação do solo, o aspecto fundiário, a preservação da biodiversidade, a geração de renda sustentável, entre outros. Todos para “ante-ontem”.

A visão entre brasileiros e a comunidade internacional encontra eco na comunidade científica brasileira, onde pesquisas abordam assuntos técnicos, especialmente o referente à “Terra-Preta” ou Biochar. Tanto é assim, que, em 2005, o Banco da Amazônia, difundiu nos cinco continentes, durante dois anos, o Prêmio Banco da Amazônia de Empreendedorismo Consciente. Todos os países foram convidados a participar e os 30 melhores trabalhos selecionados por um Júri que contava com a presença do físico Fritjof Capra , em 2006, foram considerados “Patrimônio Cultural da Humanidade”. Um dos trabalhos, de autoria de Leonardo Fernando Basso e Herbert Kimura, intitulado “Ecossistema terra preta - recriar o que já foi criado. A terra preta dos índios” tem como objetivo apresentar uma proposta para reciclar a terra preta dos índios da Amazônia. Os autores do trabalho são de São Paulo formados na Universidade Presbiteriana Mackenzie, cujo trabalho foi difundido no site do Banco da Amazônia e na Revista Ciência Administração, Fortaleza, v.14, n.2, p.230-250,dez.2008, entre outras mídias.

O “Resumo” do trabalho tem como foco a criação de uma cidade científica na Amazônia, onde universidades privadas associadas a instituições de pesquisa nacionais e internacionais e empresas interessadas na produção de conhecimento oriundas de espécimes amazônicos pudessem trabalhar em conjunto. O fenômeno da terra-preta foi apresentado como característica distintiva uma alta capacidade para retenção do carbono considerada essencial no combate ao efeito estufa. Por sua alta produtividade o cultivo de alimentos em solos onde a terra-preta é predominante pode gerar significativos excedentes de alimentos o que possibilita a geração de renda para os produtores envolvidos no cultivo.

As terras escuras da Amazônia conhecidas como Terra-preta de Índio foram descobertas em vários países da América do Sul. Elas foram criadas provavelmente por índios pré-colombianos há cerca de 500 a 2500 BP (Before Present) e abandonadas depois da invasão de europeus. Porém, muitas perguntas ainda estão sem reposta no que diz respeito à origem, distribuição e propriedade da terra-preta. São estas indagações e a importância atribuída ao conhecimento e recriação destas terras que nos levaram a escrever esta proposta, dizem Leonardo e Kimura.

Ao término do 19º século, pesquisadores como Smith (1879) e Hart (1885), entre outros, informaram a existência de terras no Amazonas que possuíam coloração escura e que eram altamente férteis. A origem das terras escuras amazônicas não é clara e diversas teorias contraditórias foram propostas no passado.

Um pesquisador de nome Camargo, em 1941, especulou que estas terras poderiam ter se formado como produto de cinzas de erupções vulcânicas nos Andes, na medida em que elas só ocorrem em lugares altos. Há outros pesquisadores que levantam a hipótese de que a terra preta ter sido formada pelo acúmulo de material em lagos Terciários ou em recentes lagoas.

A opinião que prevalece é que estas terras não só eram usadas pela população local, mas, também, seriam produtos de uma ação humana realizada no passado. No entanto, não existe consenso se elas foram criadas intencionalmente para melhoria de terra ou se elas são subproduto de habitação.

Para Johanes Lehmann, da Universidade Cornell, nos Estados Unidos, o mais importante é saber se a terra preta foi um produto intencional do homem ou não, mas o fato da existência do fenômeno em dar informações sobre como manejar nossos solos de maneira mais sustentável no futuro.

Os autores concluíram com a proposta de criação de uma cidade científica onde todos os fatores componentes do ecossistema terra-preta possam ser estudados, compreendidos, transformados e colocados à disposição de um processo de desenvolvimento sustentável.

* Carol Salsa, colaboradora e articulista do EcoDebate é engenheira civil, pós-graduada em Mecânica dos Solos pela COPPE/UFRJ, Gestão Ambiental e Ecologia pela UFMG, Educação Ambiental pela FUBRA, Analista Ambiental concursada da FEAM.

(EcoDebate)



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