TicTacTicTac: está chegando a hora de Copenhague

Data: 15/10/2009

TicTacTicTac: está chegando a hora de Copenhague


Nesta semana, ganhou destaque na imprensa a declaração do presidente Lula sobre as metas que o país levará para a 15ª. Conferência das Partes (COP-15) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCC, da sigla em inglês), a realizar-se em Copenhague, em dezembro. “Nem que o Brasil fosse careca teria meta de desmatamento zero”, provocou o presidente, em resposta ao Greenpeace, que cobrava desmatamento zero para 2015. A posição oficial do Brasil no que se refere a metas para o encontro da ONU na capital da Dinamarca é a diminuição do desmatamento em 70% até 2017 e em 80% – uma novidade anunciada por Lula – até 2020, em relação aos níveis de 1990.

A postura do Greenpeace reflete o anseio da sociedade civil internacional por compromissos mais ousados em relação às mudanças climáticas. O desafio de fazer com que os diplomatas negociem o melhor acordo possível na Convenção do Clima em Copenhague levou à criação do TicTacTicTac, movimento mundial que ancorou no Brasil em setembro. O símbolo da campanha – imensos relógios em contagem regressiva para a COP-15 – reflete a urgência de um acordo “ambicioso, justo e comprometido”, como explica Aron Belinky, coordenador executivo para o Brasil.

O grande diferencial da TicTacTicTac é abrigar sob sua bandeira pessoas físicas e jurídicas e um arco “ecumênico” de entidades – de ONGs, sindicatos e movimentos sociais a organizações religiosas e empresariais. Na última ação coordenada, ocorreram 2.473 eventos em 129 países, com o intuito de mobilizar a população para o tema. O Brasil foi o terceiro país em quantidade de eventos, tendo registrado 211 em 97 cidades. Ficamos atrás apenas dos EUA, com 559, e do Reino Unido, com 229. O principal objetivo dos minieventos que pipocaram pelo mundo foi a coleta de assinaturas para pressionar as nações a agirem com maior rapidez e eficiência em Copenhague. O site brasileiro já soma 1 milhão de adesões.

“Como não dá para mudar a ciência, vamos mudar os políticos”, sugere Marcelo Furtado, diretor executivo do Greenpeace Brasil, um dos idealizadores do movimento, cujo embrião nasceu há cinco anos, no Vale do Silício, nos Estados Unidos. Segundo Furtado, hoje o aquecimento global já está na boca do povo, mas falta “vontade política”, o grande empecilho para um acordo que acelere a transição para a economia de baixo carbono. “É inaceitável que negociações tão importantes para o nosso futuro sejam tratadas de maneira displicente. Existe tecnologia eólica, por exemplo, a preço competitivo. O Brasil pode fazer uma Itaipu de vento no Nordeste, em 24 meses”, argumenta.

Mas assumir metas de redução de emissões, além do desmatamento, não está nos planos da delegação brasileira. De acordo com Sérgio Serra, embaixador extraordinário para mudança do clima, o Brasil, que é quarto maior emissor do mundo, vai negociar em bloco com os países emergentes a transferência de tecnologias e de capital para um desenvolvimento econômico de baixo carbono. A redução das emissões para o período pós-Kyoto deverá acontecer depois de 2020. “Em algum momento teremos de reduzir, mas não agora”, diz Serra.

A senadora Marina Silva, que costuma acompanhar as conferências do clima, entende a postura da delegação brasileira. “Sem isentar de responsabilidade os países em desenvolvimento, o Protocolo de Kyoto estipula claramente que cabe aos países mais industrializados tomarem a frente nas iniciativas de redução das emissões”. E o próprio presidente Lula declarou: “A China não pode pagar o mesmo preço que a Inglaterra, que começou sua industrialização 200 anos atrás”.

Aron Belinky, do TicTacTicTac, considera equivocada a estratégia brasileira de só se comprometer com a redução do desmatamento. “O Brasil precisa ter metas também nas áreas de transporte, energia, indústria, construção. Do contrário passa para o mundo uma mensagem errada, retrógrada, como se fôssemos um país apenas florestal, sem competitividade nem tecnologia para avançar em direção ao baixo carbono”, argumenta.

José Domingos González Míguez, coordenador geral de Mudanças Globais do Ministério da Ciência e Tecnologia e um dos mais influentes negociadores brasileiros, discorda. Diz que o Brasil é o player mais estratégico do ponto de vista energético e que, apenas com os projetos de Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDL), as reduções anuais brasileiras estão em torno de 7% das emissões de 1994, “resultado dos mais expressivos em nível global”.

Para os países industrializados, a expectativa em Copenhague é de compromissos ousados, tanto de redução como de investimento. Já os menos desenvolvidos esperam que mecanismos de redução voluntária, como as Ações de Mitigação Nacionalmente Adequadas (Namas, na sigla em inglês), ajudem a captar mais recursos. Para todos os países, o grande desafio será encontrar fórmulas, tecnologias e diplomacia suficientes para que a temperatura média da Terra não se eleve além de 2 graus centígrados até 2050.

Aron Belinky acredita que, seja como for, Copenhague entrará para a história, “seja pela coragem das nações em fazer um acordo audacioso, seja pela covardia de não terem enfrentado a urgência para salvar o planeta”.

Conheça a seguir os momentos históricos que pavimentaram o caminho para a COP-15.

1972 – Estocolmo (Suécia)
Na 1ª. Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, os cientistas alertam os governos sobre atividades que podem interferir no clima. A primeira Conferência Mundial sobre o Clima aconteceria apenas em 1979.

1988 – Toronto (Canadá)
Reunião de cientistas que pela primeira vez alerta para a necessidade de reduzir os gases do efeito estufa (GEE). No mesmo ano a ONU cria o Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC, na sigla em inglês). Em 1990 o IPCC divulga seu primeiro relatório, que mostra que a temperatura do planeta está aumentando. No mesmo ano, realiza-se a segunda Conferência Mundial sobre o Clima, em Genebra, na Suíça.

1992 – Cúpula da Terra – Rio 92
Foi um marco histórico pela criação da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCC, na sigla em inglês), aprovada por 154 países e assinada em 1994. A maioria estava disposta a diminuir as emissões de GEE.

1995 – Berlim (Alemanha)
Na primeira Conferência das Partes (COP-1), foram definidos os compromissos legais de redução de emissões, que fariam parte do Protocolo de Kyoto. No mesmo ano, é divulgado o segundo relatório do IPCC.

1996 – Genebra (Suíça)
Na COP-2, fica definido que os relatórios do IPCC nortearão as decisões futuras.

1997 – Kyoto (Japão)
A COP-3 passará para a história como a convenção em que a comunidade internacional firmou um amplo acordo de caráter ambiental – apesar das divergências entre Estados Unidos e União Europeia. O Protocolo de Kyoto é um instrumento legal que sugere a redução de emissões de GEE nos países signatários e, no caso dos grandes poluidores do mundo desenvolvido, impõe metas variadas de redução – 5,2% em média, tomando como parâmetro as emissões de 1990. Para que tivesse efeito, teria de ser ratificado pelos países desenvolvidos, cuja soma de emissões de CO2 representava 55% do total. São criados o MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo), a partir de uma proposta brasileira, e os certificados de carbono.

1998 – Buenos Aires (Argentina)
Na COP-4, começam as discussões sobre um cronograma para implementar o Protocolo de Kyoto. No ano seguinte, durante a COP-5, em Bonn (Alemanha), as discussões de implementação continuam.

2000 – Haia (Bélgica)
Na COP-6, a tensão entre a União Europeia e o grupo liderado pelos Estados Unidos aumenta, levando o impasse às negociações. No ano seguinte, o presidente George W. Bush declara que os Estados Unidos não ratificarão o Protocolo de Kyoto, um entrave para a continuidade das negociações. Com a saída do maior poluidor do mundo, o protocolo corre o risco de perder seu efeito.

2001 – Bonn (Alemanha) e Marrakesh (Marrocos)
O IPCC convoca uma COP extraordinária para divulgar o terceiro relatório, em que fica cada vez mais evidente a interferência do homem nas mudanças climáticas. A tensão entre os países industrializados diminui na COP-7, em Marrakesh.

2002 – Nova Déli (Índia)
A COP -8 pede ações mais objetivas para a redução das emissões. Os países entram em acordo sobre as regras do MDL. Pela primeira vez fala-se em desenvolvimento sustentável.

2003 – Milão (Itália)
Na COP-9, aprofundam-se as diferenças entre os países industrializados e o resto do mundo. Fica clara a falta de lideranças comprometidas para costurar acordos – o que é cobrado por ONGs. O assunto ”florestas” entra em pauta.

2004 - Buenos Aires (Argentina)
Na COP-10, iniciam-se discussões informais sobre novos compromissos de longo prazo a partir de 2012, quando vence o primeiro período do Protocolo de Kyoto.

2005 – Montreal (Canadá)
Na COP-11, fica clara a necessidade de um amplo acordo internacional, ajustado à nova realidade mundial – Brasil, China e Índia tornaram-se emissores importantes. É proposta pelo Brasil a negociação em dois trilhos: o pós-Kyoto e outra paralela entre os grandes emissores, o que inclui os Estados Unidos.

2006 – Nairóbi (Quênia)
Na COP-12, a vulnerabilidade dos países mais pobres fica evidente. Ainda repercute o Relatório Stern, lançado na Inglaterra no mesmo ano e considerado o estudo econômico mais complexo e abrangente sobre os prejuízos do aquecimento global. Em Nairóbi, o Brasil apresenta a proposta de um mecanismo de incentivos financeiros para a manutenção das florestas – o REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação).

2007 – Bali (Indonésia)
Na COP-13, foi criado o Mapa do Caminho, com cinco pilares de discussão para facilitar a assinatura de um compromisso internacional em Copenhague: visão compartilhada, mitigação, adaptação, transferência de tecnologia e suporte financeiro. Ficou acertado que seriam criados um fundo de recursos para os países em desenvolvimento e as Namas (Ações de Mitigação Nacionalmente Adequadas), modelo ideal para os países em desenvolvimento que, mesmo sem obrigação legal, concordem em diminuir suas emissões.

2008 – Poznan (Polônia)
Continuam as costuras para um acordo amplo em Compenhague, sem muitos avanços. O Brasil lança o Plano Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), incluindo metas para a redução do desmatamento. Apresenta ainda o Fundo Amazônia, iniciativa para captar recursos para projetos de combate ao desmatamento e de promoção da conservação e uso sustentável na região.

Principais grupos e posições

G77/China – Os membros desse grupo, formado por países em desenvolvimento e integrado pelo Brasil, concordam em reduzir a curva de emissões no futuro, alegando que ainda precisam crescer.

Grupo Guarda-Chuva – EUA, Rússia, Austrália, Canadá, Islândia, Japão, Nova Zelândia, Noruega, Rússia e Ucrânia condicionam metas mais ousadas à redução da curva de emissões dos países em desenvolvimento.

União Européia – Os 27 países que integram este grupo estão entre os que mais conseguiram se aproximar da meta de redução média de 5,2% e se dispõem a cortar ainda mais, dependendo da postura dos países em desenvolvimento.

Aliança das Pequenas Ilhas – Pertencem a este grupo os países mais vulneráveis ao aumento do nível do mar, os quais propõem uma drástica redução nas emissões de GEE.



(Envolverde/Instituto Ethos)




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