Finanças na trilha da sustentabilidade

Data: 15/10/2009

Finanças na trilha da sustentabilidade


O cerco está se fechando para as empresas que ainda desdenham do assunto “sustentabilidade” e consideram os efeitos das mudanças climáticas papo de ecochato. Nos últimos meses, uma série de posicionamentos do mercado deixa claro que, no jogo em favor do desenvolvimento sustentável, não há espaço para amadores. A última novidade é a Resolução 3792 do Conselho Monetário Nacional (CMN), publicada em 29 de setembro, que obriga as fundações a mencionar em suas políticas de investimento se vão ou não adotar padrões de responsabilidade socioambiental. “O CMN inovou, trazendo uma resolução mais enxuta e que antecipa as necessidades do mercado”, comemora Lauro Araújo, diretor da área de investimentos para o Brasil da Mercer, consultoria com 25 mil clientes em 40 países e a primeira do mundo a abraçar a causa ambiental. “Desde 2003, temos um grupo de 15 pessoas dedicadas exclusivamente a esse tema, com a função de informar cerca de 250 consultores em todo o mundo”, conta Araújo.

O executivo da Mercer afirma que grandes investidores e gestores institucionais se preocupam cada vez mais em colocar seu dinheiro em empresas com gestão sustentável, especialmente no Canadá e nos Estados Unidos – país em que há US$ 3 trilhões investidos nesse tipo de ativos, o que representa 11% do mercado de fundos. “As fundações em particular entendem que, no médio e longo prazo, um negócio que não seja sustentável assume mais riscos, o que vai alterar sua estrutura de capital e seu valor de mercado percebido”, diz. E detalha: “Para saber quanto vale hoje a marca de uma construtora, por exemplo, é preciso precificar a projeção de lucro para daqui a 50 anos e trazer esse valor para o presente. Caso se descubra que a empresa está exposta a processos trabalhistas ou ambientais, deve-se descontar todos esses riscos, o que fará com que o valor percebido dela caia”.

A iniciativa deixa otimista também Elisabeth Lerner, sócia da Tripod Investiments, empresa especializada na gestão de fundos de private equity cuja missão é gerar resultados para os clientes “fomentando a prática da ética, da governança e da sustentabilidade empresarial nos negócios”. Na opinião dela, a resolução vai funcionar como motivador adicional para que os princípios de responsabilidade socioambiental sejam analisados como pontos importantes de investimento, além de aspectos como segurança e rentabilidade. “Acho extremamente positivo o CMN ter sinalizado de maneira explícita, pela primeira vez, a relevância do tema”, argumenta.

A postura da administradora tem consistência e lastro histórico. Ela esteve por trás da arquitetura do Ethical, o primeiro fundo de investimento “responsável” da América Latina, lançado em 2001 pelo Banco Real (hoje Santander), seu antigo empregador. Elisabeth Lerner também é a idealizadora do novo produto da Tripod, lançado em parceria com a Casaforte. Trata-se de um fundo de private equity que atende à crescente demanda de investidores, especialmente os institucionais, por participação em empresas com processos ou produtos “sustentáveis”.

A resolução do CMN deve tornar ainda mais atrativo esse tipo de fundo, que também injeta capital em empresas inovadoras, voltadas para a economia verde. Na análise de risco que precede o investimento, o grande diferencial é o gerenciamento dos impactos socioambientais, além da gestão sustentável. Lerner destaca como positivo não só o controle de eventos que possam corroer o balanço – como multas por danos ambientais: “As empresas podem se tornar mais eficientes e lucrativas, aproveitando de maneira racional os recursos, atraindo pessoas comprometidas e melhorando sua reputação ao construir uma boa relação com a comunidade”, ensina. “São benefícios nem sempre tangíveis, mas que contribuem para a perenidade do negócio”.

Risco segurado

A conscientização dos consumidores, o aumento do rigor nas legislações ambientais e os efeitos climáticos do aquecimento global vêm obrigando as empresas a uma mudança de postura. Está em andamento um movimento internacional em busca de soluções que aliem rentabilidade a cuidados com o planeta. Na semana passada, o fundo de pensão do governo da Noruega, o segundo maior do mundo, anunciou que vai direcionar 1% de seus recursos – cerca de US$ 4 bilhões – para projetos em países emergentes que ajudem a combater as mudanças climáticas.

Os riscos, como sempre, têm norteado de maneira contundente o comportamento dos mercados, funcionando como marcos regulatórios muitas vezes mais eficientes do que as leis. Que o diga a indústria de seguros, totalmente estruturada em torno do conceito de risco. Os recentes eventos climáticos, cada vez mais frequentes e onerosos, têm levado o setor a buscar novas estratégias de atuação. Só para se ter uma ideia do tamanho do passivo provocado por esse tipo de ocorrência, as seguradoras devem desembolsar entre US$ 850 milhões e US$ 1,5 bilhão para cobrir os prejuízos causados por um único tufão, o Melor, que no dia 8 de outubro matou duas pessoas e deixou 11.000 desabrigados no Japão.

A Geneve Association, organização sem fins lucrativos que identifica tendências e questões estratégicas, além de desenvolver programas para o setor, adiantou-se. No ano passado, a instituição, que sobrevive das doações de seus membros – entre os quais 80 CEOs das mais importantes seguradoras e resseguradoras do mundo –, formou um grupo de trabalho multidisciplinar e internacional para estudar o tema. Segundo um dos relatórios da Geneve, entre 1970 e 1989, os sinistros por catástrofes naturais em todo o mundo custavam, em média, US$ 5 bilhões por ano. De 1990 a 2008, as perdas mais que quintuplicaram, tendo subido para US$ 27, 6 bilhões anuais. O estudo vai medir não apenas riscos e propor estratégias de abordagem, mas também identificar oportunidades de negócios, incentivando a cobertura de projetos de tecnologia limpa e energia alternativa.

No Brasil, o setor se movimenta. Na semana passada, a Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização (CNSeg) assinou um protocolo de intenções com o Ministério do Meio Ambiente. O Protocolo do Seguro Verde passa a considerar os impactos e custos socioambientais na gestão de seus ativos e nas análises de risco dos empreendimentos que buscam por seguro. Quem deixar de apresentar licença ambiental ou praticar atividade que possa provocar degradação ambiental não ganha cobertura. Não por acaso, o ministro Carlos Minc qualificou o protocolo como “mais eficiente do que mil fiscais”. Afinal, o mercado de seguros tem alto poder de fogo. Apenas em 2008, segundo a Superintendência de Seguros Privados (Susep), o setor movimentou R$ 96 bilhões – R$ 12 bilhões a mais do que no ano anterior.



(Envolverde/Instituto Ethos)


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