O Norte não quer nada que se chame Kyoto

Data: 13/10/2009

O Norte não quer nada que se chame Kyoto


Os governos dos países em desenvolvimento e das nações industriais estão envolvidos em uma já aberta peleja sobre os compromissos internacionais para enfrentar a mudança climática. O centro do debate se refere aos princípios consagrados no Protocolo de Kyoto, acordado no Japão em 1997 para frear o ritmo do aquecimento global. Em dezembro de 2007 havia esperanças de poder cumprir os objetivos do convenio, após a conferência climática realizada na ilha de Bali, na Indonésia. Mas os sinais de que se está desarticulando o Plano de Ação de Bali foram inequívocos nas duas semanas de reuniões realizadas em Bancoc a partir de 28 de setembro.

Um dos fundamentos do Plano é o compromisso dos governantes do Norte industrial de criar uma estratégia para reduzir drasticamente as emissões de gases causadores do efeito estufa no médio prazo, entre 2013 e 2020, mediante novas metas. Mas, a linguagem dura que está sendo usada pelos delegados das nações em desenvolvimento para descrever os propósitos dos países industrializados – basicamente ignorar os compromissos assumidos em Bali – confirma a frustração das negociações que acontecem a portas fechadas na capital tailandesa.

“Tentarão matar o Protocolo de Kyoto”, disse à IPS Lumumba Stanislaus-Kaw Di-Aping, presidente do Grupo dos 77 países em desenvolvimento mais China, durante um recesso das acessas discussões no centro de conferencias das Nações Unidas em Bancoc. “É parte do jogo, mas estamos totalmente unidos para frear essas tentativas”, assegurou. O G-77 reúne 130 países em desenvolvimento representados na Organização das Nações Unidas.

O Protocolo de Kyoto “demonstrou ser efetivo”, disse em entrevista coletiva do diplomata sudanês. “A tentativa de substituí-lo por um novo será contraproducente. O que se precisa é que União Européia, Japão e Austrália aumentem a aposta em lugar de somarem-se à tentativa dos Estados Unidos de desbaratar as regulamentações”. Opiniões semelhantes foram expostas por outros representantes do G-77. Os delegados do Sul em desenvolvimento temem que um instrumento alternativo ao Protocolo sem regulamentações internacionais dê luz verde às nações industrializadas para fugirem de sua obrigação de reduzir suas emissões de gás que aquecem a atmosfera.

“Estamos procurando cumprir o mandato do Plano de Ação de Bali”, disse Shyam Saran, enviado especial do primeiro-ministro indiano e chefe da delegação de seu país. “Não propusemos nada que não estivesse ali. Temos claro que o Protocolo de Kyoto é um instrumento legalmente válido e não estamos em posição de acordar medidas contrárias nem de substituí-lo por outro documento”, disse Saran à IPS. “Estamos diante de uma tentativa de eliminar os padrões internacionais sobre objetivos de redução de emissões”, acrescentou.

O primeiro período de compromissos do Protocolo de Kyoto obriga os 37 países industrializados que o ratificaram a reduzir suas emissões de gases causadores do efeito estufa em 5,2% com relação aos índices de 1990, e isso até 2012. A comunidade internacional terá de acorda na 15ª Conferência das Partes da Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática, que acontecerá em Copenhague de 7 a 18 d dezembro, novos objetivos de redução de emissões de gás estufa para um segundo período de compromissos que começará em 2013, quando o prazo para cumprir as metas de Kyoto tiver expirado.

Os seis gases contemplados no Protocolo de Kyoto (dióxido de carbono, metano, óxido nitroso, hexafluoreto de enxofre, hidrofluorocarbonetos e perfluorocarbonetos) são considerados pela maioria dos cientistas responsáveis pelo aquecimento do planeta, causador de fenômenos climáticos extremos. Antes das reuniões de Bancoc, algumas nações do Norte concordaram em reduzir suas emissões entre 15% e 23% ente 2013 e 2020, muito abaixo do que se esperava das nações industrializadas: redução entre 25% e 40%, em relação aos volumes de 1990.

Segundo o Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre a Mudança Climática (IPCC), o mundo deve reduzir em até 40% as emissões de gases de efeito estufa antes de 2020 para evitar que a temperatura média da Terra aumente mais do que dois graus até 2050, o que teria consequências catastróficas. Além disso, muitos países industrializados ainda precisam cumprir suas metas de 2012. E os Estados Unidos, maior contaminador climático do mundo rico, nem mesmo ratificou o Protocolo de Kyoto.

Por sua vez, as nações em desenvolvimento abriram em Bali uma porta de acesso para a redução de forma significativa de suas emissões de gás estufa em um esquema nacional voluntário, com a condição de que os países ricos financiem programas para ajudá-las a adaptarem-se aos desafios da mudança climática e a adotar tecnologias sustentáveis. Porém, esta distinção, entre as reduções voluntárias de emissões dos países em desenvolvimento e as dos países industriais, acordados internacionalmente como parte de um regime ambiental global, corre risco de desaparecer.

“Os países industrializados querem aparecer como nações em desenvolvimento para não terem de cumprir sua responsabilidade quanto ao aquecimento do planeta”, afirmou Martin Khor, diretor-executivo do intergovernamental Centro Sul, com sede em Genebra. “A União Européia foi clara a respeito desde o primeiro dia de negociações aqui quando declarou que quer um novo acordo com alguns elementos do Protocolo de Kyoto”, disse Khor. “Seus negociadores vieram para desmantelar o tratado, não para discutir objetivos claros sobre redução de emissões”.

O caminho para este assalto aos princípios do Protocolo de Kyoto foi preparado nas últimas duas sessões de negociadores realizada em agosto na cidade alemã de Berlim. “Austrália, Japão e Estados Unidos foram os que começaram a falar de um novo acordo, mas sem explicitar seu conteúdo”, afirmou Khor. “Acreditávamos que as novas propostas seriam agregadas aos compromissos acordados no Protocolo de Kyoto. Foi uma das maiores surpresas e dos maiores reveses das negociações de Bancoc”, acrescentou este ativista da Malásia. “A situação é crítica e há total incerteza sobre o futuro regime climático”, acrescentou. A última escala para conferência de dezembro na capital dinamarquesa acontecerá entre 2 6 de novembro na cidade de Barcelona, na Espanha. IPS/Envolverde



(Envolverde/IPS)


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