O aquecimento global e a reinvenção do mundo
Os diagnósticos das principais causas do aquecimento global e suas conseqüências para povos de todo o planeta já são bastante conhecidos por cientistas, especialistas e gestores públicos e privados. Segundo Simon Zadek, diretor da consultoria AccountAbility e membro do conselho internacional do Instituto Ethos, as tecnologias existentes e os recursos financeiros disponíveis são suficientes para a construção de uma economia global de baixas emissões de carbono. Isso custará entre 65 bilhões e 100 bilhões de euros por ano entre 2013 e 2015. Será preciso realizar a maior transformação no mundo desde a revolução industrial, diz Zadek.
No entanto, o desafio não é apenas a transformação da economia ou implantação de tecnologias limpas. Zadek, que esteve em São Paulo participando do Diálogos Itaú/Unibanco de Sustentabilidade, aponta diferenças importantes nos tempos de decisão dos governos e em suas prioridades. Um exemplo é que os Estados Unidos ficaram mais de 10 anos sem reconhecer os acordos do Protocolo de Quioto e, agora, estão estabelecendo metas muito aquém das acordadas internacionalmente. A China já tem 50 milhões de veículos elétricos, enquanto EUA e Europa ainda estão 'pensando no assunto', diz o especialista.
Zadek, falando a uma platéia de executivos em São Paulo, e dividindo o palco com Ricardo Young, presidente do Instituto Ethos, Marcus Frank, diretor do Departamento Brasileiro de Mudanças Climáticas da McKinsey e Marcelo Batistti, gerente de riscos socioambientais do Itaú/Unibanco, vê uma disparidade muito grande nos ritmos de investimento que estão sendo feitos na Europa e Estados Unidos e países como Brasil, China e Índia. Ele mostra que esses países já estão muito avançados em desenvolver uma economia de baixo carbono, e cita o programa brasileiro de etanol como um avanço nesta direção. Além disso, conta que a China gera 40% de toda a energia fotovoltaica do mundo e fabrica 80% das turbinas eólicas do planeta. É a economia limpa que cresce mais rápido no planeta, diz.
As oportunidades da transformação das economias nacionais e globais em modelos baseados em baixo carbono são espetaculares, podem gerar trilhões de dólares em riquezas, empregos e fluxo de capitais. Mas para isto será preciso integrar políticas públicas com estratégia de negócios. Para o Brasil em especial as oportunidades são imensas. Para Marcus Frank, da McKinsey, o primeiro olhar dos gestores brasileiros deve ser dirigido aos setores florestal e de agronegócios, responsáveis por mais de uma gigatonelada de emissões de carbono por ano. Resolvido isso o Brasil pode continuar se desenvolvendo com calma e sem grandes preocupações em setores que são os vilões no resto do mundo, como energia e transportes. Além disso, a produção brasileira de biomassa precisa se diversificar e se sofisticar em direção a novas soluções. Um exemplo é a necessidade da Europa em trocar o combustível de suas termoelétricas, normalmente fóssil, para fontes renováveis. O Brasil pode oferecer peletes de madeira com alto potencial energético para estas usinas com grande vantagem competitiva, explica o executivo. Para ele a disponibilidade de biomassa é um fator positivo invejável para o Brasil.
O processo de decisão para a criação de um novo modelo civilizatório, com características muito diferentes tanto sob o ponto de vista de gestão privada como de governança pública, é outro desafio relevante. É notável perceber que países com controle político centralizado, como a China, estão avançando mais rápido no planejamento das mudanças para a nova economia. No entanto, os países democráticos precisam entender o sentido de urgência das transformações. Os múltiplos públicos e as várias instâncias decisórias contribuem para que não haja agilidade na tomada de decisões, diz Ricardo Young, do Ethos. Ele acredita que é preciso trabalhar melhor a criação das políticas públicas necessárias para a transformação, de forma que sua institucionalização em um marco legal claro torne mais atraente os investimentos necessários. O setor privado precisa de segurança institucional para agir, explica.
O crescimento de uma economia de baixo carbono e baseada em biomassa tem o potencial de deslocar o eixo do desenvolvimento e trabalhar sobre as distorções históricas do Brasil. Produtos florestais e agrícolas de alto valor agregado vão criar polos de geração de riquezas fora dos estados tradicionais do Sul e Sudeste, acredita Young. Os bolsões de miséria do Norte e Nordeste podem ser trabalhados a partir de uma ótica de valorização de seus potenciais produtivos, diz.
Para que este cenário seja realmente a base para um futuro sustentável, o presidente do Ethos afirma com veemência que não podemos falhar em Copenhague, quando serão criados os marcos regulatórios para esta nova economia. Temos o desafio de mudar nossa economia e transformar nossa democracia em um modelo de gestão mais eficiente, limpo, e capaz de enfrentar a urgência das mudanças climáticas, pontua. Ele lembra que 2010 será um ano de eleição, no qual o presidente eleito tem potencial para permanecer por 8 anos no poder, ou seja, quase todo o período até 2020, quando o mundo já deverá ter avançado muito nas questões de redução de emissões globais de gases de efeito estufa.
Para o desenvolvimento dos novos negócios, baseados em alta taxa de inovação, um dos setores que será mais demandado é o financeiro. As modelagens tradicionais de avaliação de riscos não conseguem oferecer os volumes de capital necessários aos investimentos massivos necessários. Marcelo Batistti, do Itaú/Unibanco, vê o desafio como um dos grandes obstáculos a serem enfrentados rapidamente. Tradicionalmente bancos fazem análise olhando para a história de um determinado negócio ou setor. Ou seja, avaliando o passado, explica. Para as mudanças que a economia precisa, com alto grau de inovação, será necessário encontrar uma modelagem de analise de risco que avalie o futuro, o potencial e os benefícios dos novos negócios. Não sabemos ainda como fazer, mas o mais importante é termos um marco legal baseado em políticas públicas internas e globais, explica.
De uma forma geral o sistema bancário brasileiro está se comportando bem na construção de um modelo de gestão financeira que incorpore inovação e ciência, mas ainda não tem instrumentos que permitam a redução dos riscos para patamares de mercado. Será preciso rever, por exemplo, todo o sistema de resseguros para que a diluição dos riscos seja mais adequada, explica o executivo. No entanto, ele ressalta que não vê nisso um problema e sim um desafio técnico.
As mudanças necessárias para o Brasil e o mundo são muito grandes e urgentes. No entanto, este debate mostrou que são possíveis e que já existem tecnologias e capitais necessários. A grande questão está agora na construção eficaz das políticas públicas nacionais e globais, que devem ser integradas ao mundo dos negócios, onde a economia de fato gira e enfrenta desafios. (Envolverde)
(Envolverde/Instituto Ethos)
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