Milhões de famintos a mais no futuro

Data: 05/10/2009

Milhões de famintos a mais no futuro


Alimentos exorbitantemente caros e milhões de famintos a mais serão parte o obscuro futuro da humanidade se não forem adotadas ações concertadas contra a mudança climática e feitos mais investimentos na agricultura, alertam especialistas do Instituto para a Pesquisa de Políticas alimentares Internacionais (IFPRI). A devastadora seca que a África oriental sofre atualmente, com milhões de pessoas à beira da inanição, é uma prévia de nosso futuro, sugere novo estudo sobre os impactos da mudança climática.

“Vinte e cinco milhões a mais de crianças estarão desnutridas em 2050 devido aos efeitos da mudança climática”, como redução dos campos de cultivo, falta de colheitas e altos preços dos alimentos, concluiu o IFPRI. “De todas as atividades econômicas humanas, a agricultura é de longe a mais vulnerável à mudança climática”, alertou o coautor do informe, Gerald Nelson, economista do instituto, que tem sede em Washington e dedica-se a temas referentes a pobreza e fome.

As inundações e as secas registradas últimas semanas acrescentam um clima de urgência à 15ª Conferência das Partes da Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática, que acontecerá entre 7 e 18 de dezembro em Copenhague. O objetivo deste encontro na capital dinamarquesa é chegar a um novo acordo obrigatório de redução de emissões contaminantes que suceda o Protocolo de Kyoto, que vencerá em 2012.

O informe “Quantificando os custos da adaptação agrícola à mudança climática”, do IFPRI, assegura ser “a mais completa avaliação do impacto” do aquecimento global “na agricultura até esta data”, porém, pesquisadores admitem que não há forma de quantificar todas as repercussões que terá a transformação dos padrões climáticos no fornecimento de alimentos. Um elemento-chave na agricultura é saber o melhor momento para semear. Mas, uma das conclusões recentes mais contundentes da ciência é que o aquecimento do planeta produzirá um significativo aumento da variação climática.

Isto significa que extremos como seca ou inundações ocorrerão mais frequentemente ou por mais tempo, e as mudanças radicais de temperatura serão mais prováveis. O passado já não é um guia confiável para os agricultores porque as condições fundamentais da atmosfera mudaram em razão do dióxido de carbono e outros gases de efeito estufa. Nelson disse à IPS que o informe do IFPRI é uma “estimativa conservadora” dos potenciais impactos, e não inclui as possíveis pestes e enfermidades; perda de terra cultivável devido à elevação do nível do mar; ou de água, pelo derretimento das geleiras.

O enorme sistema de glaciais do Himalaya, o maciço montanhoso de Hindu Kush e a Meseta Tibetana, é a principal fonte de água para 1,3 bilhão de pessoas na Ásia. Estudos recentes, como informou a IPS, revelam que estes glaciais diminuem mais rápido do que os existentes em qualquer outra parte do planeta e poderão estar completamente derretidos até 2035, segundo a Comissão Internacional sobre Neve e Gelo de Katmandu (Nepal). “Ocorre uma veloz redução das geleiras na região”, disse à IPS Charles Kennel, do Instituto de Soluções para Sustentabilidade, da Universidade da Califórnia, em San Diego.

Uma situação semelhante agora é evidente na América do sul, onde os enormes glaciais que fornecem água a dezenas de milhões de pessoas, quando não a centena de milhões, estão derretendo. Inclusive, o estudo do IFPRI não contempla a futura expansão dos biocombustíveis e dos cultivos bioenergéticos, que ocuparão algumas terras que hoje são usadas para produzir alimentos. Mesmo sem essas adicionais, e consideráveis, pressões sobre a produção alimentar mundial, o estudo do IFPRI estima que até 2050 os campos de trigo irrigados terão diminuído 30%, e os de arroz 15%.

É normal esperar um aumento dos preços dos alimentos em um prazo de 40 anos, mas, om a mudança climática estes dispararão: os do trigo entre 170% e 194%, do arroz entre 113% e 121%, do milho entre 148% e 153%, segundo o informe do IFPRI. As nações em desenvolvimento serão as mais afetadas pela mudança climática, e sofrerão maior redução de seus cultivos e de sua produção do que as do Norte industrializado, afirma o estudo. Os efeitos negativos da mudança climática são especialmente pronunciados na África subsaariana e Ásia meridional.

“A agricultura é extremamente vulnerável” ao aquecimento global “porque depende do clima”, acrescenta. “Os pequenos produtores nos países em desenvolvimento serão os que mais sofrerão”, disse o diretor da Divisão de Meio Ambiente e Tecnologia da Produção do IFPRI, Mark Rosegrant, coautor do informe. Entretanto, grande parte deste cenário pode ser evitada com uma ação decidida contra a mudança climática e “US$ 7 bilhões ao ano em investimentos adicionais em produtividade agrícola para ajudar os produtores a se adaptarem aos efeitos”, disse Nelson. Esses investimentos devem ser destinados à pesquisa agrícola, melhoria da irrigação e criação de infraestrutura que facilite o acesso dos agricultores pobres aos mercados, acrescentou.

De acordo com diversos especialistas, o financiamento da pesquisa agrícola pública caiu na última década. Atualmente, todo o orçamento do Grupo Consultivo sobre Pesquisa Agrícola Internacional (CGIAR) é inferior a US$ 500 milhões, disse Nelson. Criada em 1971, o CGIAR é uma aliança global de pesquisadores, governos e grupos da sociedade civil que mobiliza cientistas em benefício dos pobres. “No passado, se havia investimentos em pesquisa agrícola, diretamente tinham como resultado um impulso da produtividade”, afirmou Nelson.

São necessários investimentos do governo para proporcionar bens públicos, como sementes melhoradas, irrigação mais eficiente e infraestrutura, afirmou, e alertou para o perigo de buscar soluções mágicas. A agricultura é específica a cada lugar, e “muito mais complicada do que a ciência dos foguetes”, acrescentou. Nelson defende a agricultura tradicional de pequena escala, mesma conclusão a que chegou a Avaliação de Ciência Agrícola e Tecnologia para o Desenvolvimento, apresentada em 2008. “A agricultura tradicional deveria ser apoiada e suas técnicas amplamente compartilhadas quando funciona, não apenas por ser tradicional”, ressaltou.

Mas a fatura da segurança alimentar depende muito mais de sementes e campos. Durante 30 anos, as nações agrícolas industrializadas na Europa e América do Norte inundaram com alimentos altamente subsidiados os países pobres, com efeitos devastadores nos sistemas alimentares locais, disse Michel Pimbert, diretor do programa de agricultura e biodiversidade do Instituto para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, com sede em Londres.

Essas políticas nacionais e internacionais devem ser transformadas a favor da “soberania alimentar”, respeitando os diversos, locais e autônomos sistemas alimentares, disse Pimbert à IPS. O chamado do IFPRI para investimento de US$ 7 bilhões tampouco garante que todos os impactos negativos serão superados, reconheceu Nelson, mas, alertou que se as coisas continuarem como estão “haverá desastrosas consequências para a raça humana”. IPS/Envolverde


(Envolverde/IPS)




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