Medir a desertificação para poder combatê-la
Para avançar na defesa dos solos, os países que integram a Convenção das Nações Unidas de Luta contra a Desertificação adotaram na capital argentina ferramentas semelhantes às utilizadas no caso da mudança climática. A Nona Conferência das Partes desta convenção (COP 9) aconteceu em Buenos Aires entre 21 de setembro e sábado passado, um dia depois do previsto. Representantes de 193 países acordaram indicadores para medir a deterioração do solo e a criação de um painel de cientistas.
Como a Conferência das Partes da Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática, a referente à desertificação contará com seu próprio mecanismo intergovernamental de especialistas para estudar o fenômeno, informou a presidência da conferência em Buenos Aires. O IPCC (Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre Mudança Climática) foi criado em 1989 e premiado em 2007 com o Nobel da Paz, juntamente com o ex-vice-presidente dos Estados Unidos Al Gore.
Os delegados da conferência sobre desertificação decidiram criar um órgão que opere como autoridade mundial interdisciplinar na matéria, que integra cientistas das áreas acadêmicas e governamental, semelhante ao IPCC. As partes também aprovaram uma série de indicadores para acompanhar e avaliar periodicamente a degradação do solo em terras que foram desertificadas, mas, não todos os propostos pelos especialistas. Atualmente não existe um sistema de medição comum deste fenômeno ambiental que causa pobreza, fome e migração nos países mais afetados e que contribui com o aumento da temperatura na atmosfera.
A degradação do solo em zonas áridas, semiáridas e sub-úmidas secas tem impacto principalmente na África, Ásia e América Latina, mas também em países industrializados como Estados Unidos ou Espanha. O uso não sustentável dessas áreas frágeis causa perda de produtividade dos solos, cuja recuperação é muito difícil. A COP 9 abrigou pela primeira vez uma conferência científica, da qual participaram 200 acadêmicos e 50 especialistas de governos de todo o mundo.
Nessa oportunidade também foi realizada uma reunião de parlamentares e o tradicional encontro de ministros, da qual, também pela primeira vez, participaram organizações da sociedade civil. O objetivo da reunião de cientistas era aprovar os indicadores cuja medição facilite o combate à desertificação, a canalização de recursos financeiros e a sensibilização da sociedade diante deste fenômeno que não consegue a repercussão pública que tem a mudança climática.
Até agora, a convenção sobre desertificação carecia de ferramentas de medição da deterioração do solo. Por outro lado, no contexto da convenção sobre mudança climática mede-se regularmente as emissões de gases causadores do efeito estufa na atmosfera. Apesar disso, organizações não-governamentais consideraram pobre o resultado desta primeira reunião de especialistas.
Foram propostos 11 indicadores; aprovados apenas dois e outros dois ficaram nas recomendações. Isso dilata muito o processo e o torna muito burocrático, disse à IPS Arantxa García, da Ipade, instituição espanhola dedicada à cooperação com o desenvolvimento que trabalha com populações rurais empobrecidas de países da América Latina, Ásia e África. Temos muita experiência no terreno, mas o espaço que nos dão para influir nestas negociações é muito reduzido, lamentou García.
Para a sociedade civil foram programadas duas intervenções de cinco minutos no segmento de alto nível da conferência, que reuniu ministros e outros representantes governamentais. Mas essa participação transcorreu no final das deliberações, quando já não havia possibilidade de incidir na negociação. Os delegados nacionais concordaram quanto à necessidade de a próxima conferência das partes da convenção sobre mudança climática, que acontecerá em dezembro, em Copenhague, integre à sua agenda o potencial uso do solo, disse aos jornalistas o secretário-executivo da convenção sobre desertificação, Luc Gnacadja, de Benin.
Gnacadja destacou que boa parte das emissões de gás de efeito estufa procede de solos degradados, e que a terra submetida a uma gestão sustentável tem grande capacidade de capturar carbono, o qual, de outro modo, iria para a atmosfera. O potencial da terra para seqüestrar carbono é muito importante e deve ser levado em conta em um novo regime de mudança climática, afirmou à IPS. Esta é a avenida por onde devemos transitar para salvar o planeta, ressaltou.
A reunião dos legisladores de 70 países acordou que não há segurança no mundo sem segurança alimentar e que esta última está ameaçada pela desertificação, disse Gnacadja. A face humana da mudança climática se vê nas zonas secas, afirmaram os parlamentares. No encontro de ministros foi confrontado o custo da ação versus o custo da falta de ação no combate contra a degradação da terra. Por fim, os representantes governamentais debateram sobre a necessidade de contar com maiores recursos para combater a desertificação, começando pelo orçamento para enfrentar o programa dos próximos dois anos, disse Gnacadja. Para os países industrializados, a conjuntura é complexa devido à crise financeira global, argumentaram.
Enquanto isso, os governos do mundo em desenvolvimento consideram que os recursos atuais são insuficientes, mais além de experiências-piloto realizadas em determinados países com apoio financeiro de distintas convenções com as relativas à desertificação, à mudança climática e à biodiversidade. Da COP 9 participaram cerca de dois mil delegados dos países-parte da convenção, que marcaram a próxima reunião na Coréia do Sul. IPS/Envolverde
(Envolverde/IPS)
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