OMC admitirá fracasso de Doha perante o G-20

Data: 22/09/2009

OMC admitirá fracasso de Doha perante o G-20


Pascal Lamy terá de reconhecer na próxima semana na cúpula do Grupo dos 20 que nas atuais circunstâncias a Organização Mundial do Comércio (OMC), que dirige, não cumprirá o mandato encomendando por esses governantes de concluir as negociações da Rodada de Doha em 2010, afirmaram fontes diplomáticas. “Pessoalmente pedi a Lamy, não sei se o fará ou não, que comunique aos líderes do G-20 que, se continuarmos nesse passo, não tornaremos efetivo esse mandato, disse à IPS o chefe dos negociadores do Brasil, Roberto Azevedo. “Isso é tudo. O que mais posso dizer? Neste ritmo não atingiremos a meta”,insistiu.

A avaliação do embaixador brasileiro junto à OMC resumiu a impressão dominante em muitos dos negociadores que se reuniram sexta-feira com Lamy para analisar os resultados de uma semana de discussões que tinham por objetivo revitalizar a Rodada de Doha e discutir a mensagem a ser levada à reunião do G-20. Os governantes que integram o grupo, formado pelos oito países mais industrializados e economias emergentes, se reunirão nos dias 24 e 25 próximos na cidade norte-americana de Pittsburgh para examinar o cumprimento de seus objetivos no sentido de restaurar o crescimento da economia mundial e estabelecer reformas nos sistemas financeiros multilaterais.

Esses objetivos foram enunciados pelo G-20 após sua primeira reunião convocada em Washington em novembro passado, pouco depois de a eclosão nos Estados Unidos da crise econômica e financeira atingir sua atual magnitude global de extrema gravidade. Nas deliberações da capital norte-americana, com na segunda reunião de abril deste ano em Londres, o G-20 também deu atenção às questões comerciais e ao andamento das negociações da Rodada de Doha, processo lançado em 2001no Qatar para aprofundar a liberalização do intercâmbio mundial.

Um dos pontos da declaração aprovada na capital britânica pedia a conclusão das negociações de Doha em 2010. e nesse aspecto, os 153 países que integram a OMC ainda não conseguiram uma coincidência. No início deste mês, os ministros de Comércio de aproximadamente 30 Estados-membros da organização se reuniram em Nova Déli, convocados pelo governo da índia, para discutir as possibilidades de destravar as negociações de Doha, que já estão com quase cinco anos de atraso.

Os ministros pediram que os negociadores acreditados junto à OMC fizessem um mapa do caminho com uma meta estabelecida no acordo final da Rodada de Doha. Esse itinerário foi estabelecido e agora só falta seguir o caminho até chegar a um final de sucesso, disse Azevedo. O plano de trabalho consiste em uma série de reuniões, com participação de representantes de alto nível dos países-membros, que acontecerão de 19 a 23 de outubro, de 9 a 13 de novembro e de 14 a 16 de dezembro.

Na reunião da última sexta-feira, os representantes de um seleto grupo de membros da OMC pediram a Lamy que comunicasse ao G-20 que suas exortações por um trabalho rápido para terminar em 2010 “não parece estar levando à ação em Genebra”, destacou o representante brasileiro. Lamy ouviu os delegados e “naturalmente disse que uma das coisas necessárias é acelerar os trabalhos”, contou Azevedo. Mas, a pergunta é se as delegações vão negociar, acrescentou. Neste momento, “não vejo a existência do compromisso político necessário para concretizar essas negociações”, disse o diplomata brasileiro. Outros delegados ouvidos pela IPS demonstraram mal-estar pela falta de sinais de vitalidade nas negociações, que praticamente não registram nenhum progresso neste ano.

A delegação dos Estados Unidos disse que um importante elemento para mobilizar as negociações de Doha seria o estabelecimento de compromissos bilaterais entre países-membros, para avaliar e enfrentar a natureza das diferenças que ainda persistem. A declaração, divulgada em Washington pela porta-voz do escritório do Representante Comercial dos Estados Unidos, Carol Guthrie, destacou que tais acordos deveriam enfocar particularmente as contribuições para abertura de mercados, dentro da Rodada de Doha, por parte das economias emergentes-chave. Nessa categoria de mercados emergentes os Estados Unidos, e também a União Européia, colocam as nações em desenvolvimento mais destacadas nos planos econômico e comercial, como Brasil, China, Índia, África do Sul e outras.

O representante da Argentina, Nestor Stancanelli, diretor de negociações econômicas internacionais da chancelaria de seu país, estimou que a mensagem da OMC para o G-20 deve transmitir o compromisso dos Estados-membros de trabalhar e buscar um resultado positivo para a Rodada. Tem de existir senso comum e levar em conta os problemas de cada país. Estamos em meio a uma crise internacional e, portanto, todos devemos adotar uma atitude construtiva, disse Stancanelli. Os prazos estabelecidos pelo G-20 para a conclusão da Rodada de Doha não são muito longos, disse o representante argentino.

Os presidentes e chefes de governo assinalaram 2010, assim, teríamos de trabalhar com vistas a essa data, acrescentou Stancanelli. “Esperamos que uma mensagem positiva em Pittsburgh para ver o que poderemos fazer”, afirmou. Quando lhe foi dito que esse tipo de declaração de boa vontade se repete há anos nos círculos da OMC sem chegar a um resultado, o representante argentino respondeu: “É verdade. Aqui não houve política para entender do que estamos falando. Esperamos que agora exista”, ressaltou.

“Muitas vezes apresentamos os problemas dos países em desenvolvimento porque não podíamos aceitar uma liberalização total em matéria de indústria, que precisávamos de espaço para a política industrial. Lamentavelmente, isso não foi entendido e perdemos tempo. Agora, vamos confiar que os problemas sejam entendidos, tanto os nossos quanto os dos outros”, concluiu Stancanelli.

O G-20 foi criado em 1999 para discutir aspectos-chave da economia mundial após os sobressaltos causados pela crise do final dessa década, principalmente em alguns países asiáticos. O grupo foi revigorado há um ano para enfrentar nova crise, mas de maior envergadura. Seus membros representam 85% da economia mundial e dois terços da população global, segundo estimativas. O G-20 é formado por Alemanha, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, Coréia do Sul, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Rússia, África do Sul e Turquia, alem de um representante do país que preside a União Européia. Das reuniões também participam governantes da Espanha e Holanda, bem com chefes de várias agências multilaterais.

(Envolverde/IPS)



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