A política de resíduos, os fundos cleantech e o risco de desnacionalização

Data: 10/09/2009

A política de resíduos, os fundos cleantech e o risco de desnacionalização


Há alguns meses, a Revista Sustentabilidade vem seguindo os (des)avanços do debate sobre a Política Nacional de Resíduos Sólidos no Congresso. Mesmo tendo os legisladores voltado do recesso parlamentar, ainda não há indício de que alguma coisa aconteça em breve. Assim, anda a passos lentos o Projeto que estava pronto para ser votado pelo grupo de trabalho e que deveria seguir para o Plenário da Câmara, antes de ser apreciada pela Casa Superior, onde, por enquanto, a incerteza política é norma.

Quem acompanha a Revista Sustentabilidade sabe de nosso apoio à aprovação da Lei, e conhece nossa postura em prol de legislações estaduais similares.

Os acontecimentos e reportagens das últimas semanas reforçam ainda mais esta posição: a falta de incentivo, privado ou público para pesquisas de novas tecnologias de reciclagem de pilhas; o descarte indiscriminado de pilhas e baterias nos lixões pelo País afora; a falta de vontade de alguns setores da indústria em organizar voluntariamente uma cadeia produtiva, que englobe o ciclo de vida dos produtos comercializados; a crescente miséria dos catadores nos centros urbanos, que sofrem com a volatilidade de preços destes materiais e pela falta de organização da cadeia, que, por fim, culminou com a importação de plástico da Europa pelas indústrias que precisam da matéria-prima, o plástico usado.

Acreditamos, na Revista Sustentabilidade, que estas são questões de extrema importância para o futuro do meio ambiente e da humanidade. Há um latente apoio por políticas que ajudem a preservar o meio ambiente, e a Política Nacional de Resíduos Sólidos é uma delas.

Dentro da Lei proposta existem três conceitos básicos que a sociedade deve conhecer: o conceito do poluidor pagador (quem polui é responsável por investir em tecnologias para evitar ou amenizar a poluição); o conceito e responsabilidade compartilhada (a gestão dos resíduos deve ser tirada do colo solitário do setor público para ser responsabilidade também da indústria, comércio e dos próprios consumidores); e, finalmente, o conceito de logística reversa (toda produção deve prever o retorno dos produtos pós-consumo para reaproveitamento, reuso o reciclagem, seguindo as linhas do ciclo de vida dos materiais que compõem os produtos complexos da nossa sociedade moderna).

Não acreditamos que a aprovação da Lei mudaria tudo, mas é um assunto de extrema importância para deixar que apenas os políticos e os grupos de lobby das indústrias afetadas o acompanhem. Por isso, nas nossas reuniões de pauta, o assunto é ubíquo e recorrente, como o leitor do portal sabe, e portanto, são constantes as matérias sobre a questão.

Mesmo no recesso parlamentar, travou-se uma batalha entre os que querem reduzir suas responsabilidades e os que querem ver atribuídas as responsabilidades justamente. É o caso do abaixo assinado virtual, que visa convencer os 12 membros do grupo de trabalho na Câmara a não excluir os eletroeletrônicos dos programas de logística reversa.

A Revista Sustentabilidade apoia o abaixo assinado, pois acredita ser benéfico para sociedade brasileira que TODOS os setores da indústria assumam suas responsabilidades, mesmo que isso reduza seus lucros e mesmo que ainda não estejam preparados.

A Revista Sustentabildade sabe que, o benefício trazido pela preparação para atender à Lei será enorme, pois forçará a indústria, no caso, a de eletroeletrônicos, a investir em uma nova organização produtiva, contratar mais pessoas e prestadores de serviço e, sobretudo, orientar seus laboratórios de inovação a desenhar produtos que durem mais e sejam capazes de ser retornados para reuso, reaproveitamento ou reciclagem.

Eis aqui uma questão chave.

O Brasil entrará este ano na mira dos grandes fundos de 'cleantech'. Estes fundos são poderosíssimos e primos dos fundos de private equity, venture capital e seed capital. Porém, a grande diferença reside no fato de que o dinheiro tem de ir para tecnologias ou inovações que reduzam os impactos da atividade humana ao meio ambiente e as emissões de gases efeito estufa.

Empresas, pesquisadores e cientistas que começarem a desenvolver produtos e processos pensando nisto, vão chamar a atenção dos gestores dos bilhões e bilhões de dólares, que estão sendo canalizados segundo a consciência dos quotistas para financiar uma indústria mais limpa. Até agora, o Brasil e a América Latina estiveram fora do radar destes gestores de ativos, a não ser quando a questão é o etanol.

No entanto, é preciso saber que a indústria financeira de cleantech não é a mesma que acompanha o desenvolvimento sustentável ou a responsabilidade social empresarial (RSE). Oriundos do mercado financeiro, os investidores cleantech querem um retorno financeiro alto, e na hora de desfazer suas posições, eles não vão considerar se a empresa compradora da nova tecnologia é brasileira. Eles vão vender para quem pagar mais e cobrir, finalmente, o risco assumido anos antes.

Não é por acaso que estes fundos estão voltando os olhos para o Brasil. O sucesso da indústria do etanol ajudou a identificar nosso país como sendo um dos mercados mais promissores em energias renováveis, em especial, para projetos de mecanismos de desenvolvimento limpo da ONU. Além disso, ele é visto como um dos poucos países que tem uma agroindústria de ponta e uma sociedade com alta capacidade de inovação tecnológica.

De certa maneira, o governo justifica esta visão, pois vem injetando bilhões de reais nos centros de apoio à pesquisa em inovação nas pequenas empresas, a fundo perdido, como o Prime, que deve ajudar mais de mil pequenas empresas a levar inovações para o mercado. Além disso, destacam-se a Petrobras e a Eletrobrás, também reconhecidas como inovadoras, e o BNDES, que por meio de seu Fundo de Capital Semente, Criatec, registra 40 novos pedidos de financiamento por mês, não conseguindo atender à demanda.

Do outro lado, a mobilização da sociedade está cada vez mais forte, a medida que os principais veículos de comunicação começam a abordar o assunto dos resíduos sólidos, da preservação dos recursos naturais, introduzindo debates complexos, como o do aquecimento global.

Portanto, está na hora do setor produtivo privado começar a fazer a sua parte. Ao invés de gastar milhões de reais com consultorias para bloquear e desfigurar projetos de Lei no Congresso, não seria mais útil investir em pesquisa e desenvolvimento, a fim de se preparar para o inexorável?

A Política Nacional de Resíduos Sólidos está nos calabouços do Congresso há quase duas décadas. Muitos querem que fique lá, esquecida, como os doidos que foram libertados na queda da Bastilha em 1789. A Revolução Francesa foi um avanço na política e um fator chave para desencadear a Revolução Industrial.

Mudanças políticas são, portanto, essenciais para o progresso humano. Elas são inexoráveis, e a Politica Nacional de Resíduos Sólidos faz parte deste avanço, pois abre portas para mudarmos o jeito como organizamos as nossas atividades mundanas.

Por causa deste Projeto, nossos políticos tiveram a rara oportunidade de saltar à frente das demandas de nossa sociedade. No entanto, setores da indústria querem bloquear este salto em nome do retorno financeiro a curto prazo para seus acionistas.

A Revista Sustentabilidade reafirma seu apoio ao Projeto, antes de sua versão final, pois acredita que na obrigatoriedade de se fazer logística reversa. Este é um dos pontos essenciais, já que as empresas, voluntariamente, não pretendem fazê-lo. Além do mais, a Revista Sustentabilidade acredita que as consequências da Lei, na sua redação inicial, serão a geração de milhares de empregos, inovação e atração de bilhões de dólares em investimento, ajudando o País a saltar para a liderança mundial da nova economia verde .




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