A propaganda sob a ótica de um novo consumidor & a sustentabilidade como atributo de valor . Quem disse que seria fácil?

Data: 09/09/2009

A propaganda sob a ótica de um novo consumidor & a sustentabilidade como atributo de valor . Quem disse que seria fácil?


Dentro do debate em torno da atuação sustentável por parte das empresas , a emergência da perspectiva do engajamento de partes interessadas como uma de suas dimensões centrais foi sobretudo potencializada pelo processo de intensificação da mobilização social, em decorrência dos processos históricos já abordados em outros capítulos, como o movimento da contracultura no final dos anos 60 e no caso do Brasil, a redemocratização nos anos 80 , para ficarmos em dois históricos divisores de águas. No entanto, é importante lembrarmos que embora a visão participativa - que permeia o modelo de gestão que tende a considerar mais amplamente os interesses dos stakeholders, compatibilizando-os com o dos acionistas - seja uma tendência em ascensão, se configurando como paradigma atual nas empresas , existem contrapontos e críticas a esta perspectiva , especialmente por parte dos que advogam um modelo de governança corporativa ainda fortemente voltado aos acionistas, entre estes, o polêmico economista Milton Friedman.

Entre uma e outra perspectiva, o desafio que se coloca na atualidade é o do equilíbrio dos interesses, partindo da crença de que embora dilemas éticos se coloquem na trajetória da gestão responsável e sustentável , hoje podemos observar exemplos do quanto considerar o que a sociedade pensa pode se tornar vantagem competitiva na medida em que este posicionamento passa ser percebido como atributo de valor pela coletividade. Isto tem se tornado cada vez mais relevante nos segmentos voltados ao consumidor final, especialmente bens de consumo (duráveis ou não) e serviços. Emerge na cena contemporânea um consumidor mais consciente , poderíamos dizer, que deseja entender o processo e a cadeia produtiva percorridos até que a experiência de marca e consumo se efetive . Enfim um consumidor-cidadão que percebe que o ato de consumir é um ato político também. (1)

" A sociedade civil, enquanto conjunto de consumidores-cidadãos , gradativamente, vem compreendendo seu novo papel diante de outros 2 setores sociais - o Estado e a iniciativa privada. Tal papel, na proposta de uma democracia participativa e não apenas representativa, significa ser um agente social atuante e co-responsável pelas demandas sociais e ambientais no espaço público e privado. (...) Os cidadãos, com reforço da legislação ( a constituição, o Código de defesa do consumidor e o código civil, a legislação ambiental, por exemplo) e da mídia usam suas estratégias de consumo como parte do processo produtivo e político. Com a ampliação da capacidade comunicativa (mídias digitais interativas, móbiles, multiplicação de jornais e revistas, etc) os consumidores ganharam visibilidade e se tornaram mais exigentes. Uma vez conectado ao mundo por diferentes meios de comunicação e informação, o consumidor não está sozinho em suas demandas e se organiza em associações de consumidores, organizações sociais e ambientais, de modo a se posicionar como um ator social, político e produtivo mais forte que até então. Ele deixa de ser público , na perspectiva tradicional de audiência e assume o papel de stakeholder ou parte interessada." (2)

Importante , no entanto, é observarmos que o fenômeno do consumo consciente tem se mostrado especialmente relevante nos países desenvolvidos - na Europa, ainda mais que nos EUA - e entre segmentos formadores de opinião e com maior poder de compra. No Brasil, ainda são poucos os dispostos a pagar mais por uma brócolis orgânica ou um café com selo fair trade (3) , seja por uma questão objetiva de poder aquisitivo , mas sobretudo porque somente muito recentemente a dimensão da sustentabilidade passou a ser entendida como um atributo de valor. Ainda assim, mesmo por aqui , a perspectiva da sustentabilidade vem emergindo como tendência e diferentemente do que alguns possam pensar , parece não se tratar apenas de greenwash (4) , embora a sua sustentação, no longo prazo , só possa se comprovar com o tempo.


Afinal, estamos abordando uma realidade que começa a ganhar escala e tem alterado estruturalmente os modelos de produção , sendo mediado , inclusive , por regulações estabelecidas pelo mercado. Para ficarmos apenas em alguns exemplos, trata-se não só de um ou outro escritório de design de vanguarda, mas de redes que começam a trabalhar apenas com produtos cuja matéria prima – a madeira – tenha certificado de origem 5 , isto sem falar em redes como Wal-mart , Carrefour e Pão de Açúcar , que recentemente tornaram pública – não por acaso - a decisão de suspender as compras das fazendas envolvidas no desmatamento da Amazônia, em resposta a denúncias trazidas pelo Greenpeace.

Mas definitivamente o assunto não é novo no Brasil . Por aqui, podemos citar duas empresas que vêm direcionando , de forma processual , nos últimos anos , seu modelo de gestão, planejamento estratégico, missão e valores a partir dos princípios da sustentabilidade e que têm impregnado todo o seu posicionamento a partir desta perspectiva, de modo a terem conseguido converter os ativos de imagem derivados desta escolha em vantagem competitiva: a indústria de comésticos Natura e o Banco Real , pertencente ao ABN AMRO BANK e comprado em 2007 pelo grupo Santander.

Em ambos os casos, o que é comunicado hoje para todos os públicos tende a refletir um esforço que o antecede há muito e que se inicia " em casa" na figura das lideranças , patrocinadores da mudança cultural em suas organizações. Na Natura, as lideranças em questão são os principais acionistas , caso de Luiz Seabra, Pedro Passos e Guilherme Leal, mas no Banco Real, o então CEO Fabio Barbosa - hoje na Diretoria Executiva do Santander, mesmo após a aquisição - é quem conduziu este processo e , ainda que sob a influência do então grupo ABN AMRO BANK, a operação no Brasil acabou por tornar-se benchmarking no grupo no tratamento do tema.

E estas experiências , por sua vez, revelam paradigmas disseminados por outros que os antecederam em nível global , como Anita Roddrick , da The Body Shop , Stephen Schimdtheiny , do Grupo Nueva ou um pouco mais recentemente , Ray Anderson , CEO da Interface (6). Em comum, não só o exemplo da gestão responsável , mas uma quase militância no tema, que extrapolou os limites do mundo dos negócios , ao mesmo tempo que diferenciou estas marcas, tornando os negócios em questão sustentáveis e prósperos , entre outros fatores porque estabeleceram conexão com o consumidor, a partir de uma visão própria do mundo e sinalizando uma tendência emergente na ocasião.

Mas, afinal, de que consumidor estamos falando? Sobretudo, temos em cena , ontem e hoje, um perfil de consumidor mais consciente e crítico. Há uma, duas décadas atrás, significativa parcela do empresariado respondia reativamente às questões trazidas pela sociedade e não integravam aos modelos de gestão dimensões como a da inclusão social - a empresa como representação de uma sociedade mais igualitária e acessível - e do engajamento dos vários segmentos da sociedade (que hoje denominamos stakeholders) nas decisões de negócio . Numa fase subsequente , já no século XXI , corporações passam a diagnosticar e monitorar sua performance a partir de indicadores de sustentabilidade e a se comunicar de maneira mais qualificada, simétrica e permanente com os públicos de interesse, tendência que hoje se consolida especialmente entre as empresas que atuam em nível global.

Alimentando este processo, acompanhamos a formulação de estratégias com o objetivo de tornar visíveis os esforços empreendidos e isto tem se tornado recorrente na mesma proporção em que a responsabilidade social se converte gradativamente em atributo de valor, pelas razões já expostas. As empresas passam a comunicar mais maciçamente sua atuação socio-ambiental e as evidências de sua responsabilidade.O esforço é de gerar a percepção de que empresas , marcas e produtos são friendly, sob vários aspectos , especialmente o ambiental e o social, porque isto já é valor para , pelo menos um grupo já representativo e crescente de consumidores.

Entretanto, se observarmos atentamente ,boa parte dos anúncios que hoje são veiculados no Brasil - e mais fortemente nos mercados consumidores de SP e RJ – identificaremos uma certa banalização da abordagem dita socialmente responsável , tamanha a repetição dos bordões, ícones e expressões reproduzidos com o objetivo de gerar good will por parte das audiências, a qualquer preço , resultando em um discurso reducionista , desconectado do contexto e indiferenciado na medida em que várias organizações acabam por comunicar mais do mesmo.

Diante de tal cenário, o consumidor mais crítico e consciente a que nos referimos anteriormente é o mesmo que está atento ao que é comunicado e define o que é crível ou não, como sugere pesquisa publicada em 2005 pelo Instituto Ethos de empresas e responsabilidade social e pelo Instituto Akatu pelo consumo consciente:

" O papel da comunicação é central tanto no reconhecimento público das ações das empresas , como na capitalização que elas podem fazer da percepção construída entre os consumidores. (...) No entanto, apesar do papel positivo atribuído às empresas e das expectativas criadas ao redor das ações de RSE, o consumidor brasileiro encontra-se dividido no que diz
respeito à credibilidade das iniciativas corporativas. Confrontados com a afirmação ´ as empresas comunicam com honestidade e veracidade o que elas fazem em matéria social e ambiental ´.apenas metade se mostra de acordo - 50% - enquanto 45 % discordam ou não tem opinião formada - 5%. O fato de que metade da população aberga dúvidas quanto à comunicação das ações das empresas levanta um questionamento quanto à efetividade do modelo atual de divulgação via balanços sociais e propaganda institucional. Sugere também que a legitimidade dos claims empresariais na área corre o risco de diluir-se , pois investimentos sérios convivem com ações percebidas como tendo baixa credibilidade. " (7)

O contexto, portanto, traz desafios aos profissionais de propaganda e marketing , no sentido de , não só repensarem as estratégias concebidas diante do novo paradigma , como sobretudo os modelos mentais sob o qual se opera a construção discursiva. Trata-se ,não mais ,da forma e do conteúdo , apenas , mas do tom e da abordagem , inseridos no contexto onde a propaganda se dá. Afinal, nos dias atuais , o CONAR é acionado pela sociedade civil organizada para retirar do ar um VT da Petrobrás que reforça o posicionamento da empresa como ambiental e socialmente responsável, confrontando-o com a informação dos índices de emissão de enxofre , ao longo do processo produtivo.


Assim como movimentos sociais , um dia, igualmente já denunciaram a Vale ao CONAR por declarar , em texto de anúncio referente a um dos projetos sociais da sua Fundação , que a empresa “resgatava o congo” (8) , por meio do Projeto Congo na Escola. Segundo eles, de que lugar falava a Vale ao afirmar que o congo precisava ser resgatado? E mais, como um projeto realizado em uma escola de Vitória , no Espírito Santo , teria o poder de “resgatar” uma tradição fomentada por várias outras associações culturais do estado do Espírito Santo , não necessariamente apoiadas pela empresa?

De fato, o cenário está se complexificando...


1. Conceito disseminado pelo Instituto Akatu para o consumo responsável
2. " Comunicação e gestão corporativa: diálogo social para alinhamento de expectativas e articulação com território produtivo, PEREIRA, Carlos A. Messeder ; COSTA, Carlos V.; MURAD, Eduardo G. ; AMBRÓSIO, Vicente
3. Fair trade ou Comércio Justo. O selo Fair Trade certifica produtos derivados , predominantemente de arranjos produtivos locais , como cooperativas e por vezes, no contexto de comunidades tradicionais. A receita gerada
pela venda dos mesmos é compartilhada por mais produtores ,sem intermediários, tendendo a concentrar menos
ganhos.
4 Conceito que evoca à idéia de uma “maquiagem verde”, quando , de modo superficial, uma empresa ou uma marca são travestidas de ambientalmente corretas com objetivos mercadológicos de curto prazo
5 – o selo FSC é um destes certificados e um dos mais aceitos mundialmente
6. Depoimento de Ray Anderson , CEO da Interface integra o documentário The Corporation, vide também de Anita Roddrick, " Meu jeito de fazer negócios" e " Changing Course", de Stephen Schmidheiny

7. Pesquisa " Responsabilidade Social das empresas - percepção do consumidor brasileiro ", Ethos/Akatu, 2005

8 O congo é um ritmo existente há mais de 300 anos, que veio com os escravos . No estado do Espírito Santo, o ritmo ainda é muito conhecido e uma referência de tradição popular, tanto quanto o maracatu em Pernambuco, por exemplo.


Artigo também publicado na Revista da ESPM – Edição julho/agosto 09

(*) Bernadete Almeida (balmeida@espm.br) é Colunista de Plurale, colaborando com um artigo por mês. É jornalista (PUC-Rio), especialista em Comunicação Integrada e em Gestão Estratégica da Responsabilidade Social Corporativa, com larga experiência na condução de processos de Diálogo Social e engajamento de partes interessadas. Atuou como gestora na área de Comunicação na Vale, é consultora, professora da Universidade Cândido Mendes e da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM-Rio)



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