Pesquisa e ensino integrados

Data: 01/09/2009

Pesquisa e ensino integrados


Por Fábio de Castro

Uma aula experimental para alunos de graduação em química pode se limitar à reprodução de procedimentos laboratoriais preestabelecidos. Mas pode também se transformar em uma proposta de investigação científica ligada à realidade cotidiana, tornando-se mais atraente para os alunos e estimulando o seu espírito de pesquisa.

Uma experiência de sucesso com esse tipo de abordagem, realizada com estudantes do Instituto de Química (IQ) da Universidade de São Paulo (USP), foi descrita em um artigo que será publicado em setembro na revista Education in Chemistry, da Royal Chemical Society, do Reino Unido.

Alunos da disciplina Fundamentos de Espectroscopia e Métodos Espectroscópicos foram orientados a investigar a estrutura e propriedades da celulose para descobrir o que torna as roupas de algodão mais confortáveis e frescas do que as fabricadas com tecidos sintéticos.

A experiência pedagógica foi concebida e coordenada por Omar El Seoud, professor titular do IQ-USP, e pelos doutorandos Priscilla Silva e Fábio Rodrigues, que atuaram como professores assistentes da disciplina oferecida a 46 alunos do quinto semestre de química. Os três são os autores do artigo.

El Seoud é coordenador do Projeto Temático “Síntese, propriedades e aplicações de tensoativos e biopolímeros funcionalizados: um enfoque de Química Verde”, apoiado pela FAPESP. Priscilla conta com bolsa da FAPESP na modalidade Doutorado Direto.

De acordo com El Seoud, o objetivo da experiência foi explorar uma maneira inovadora e estimulante para introduzir nas atividades em sala de aula a reflexão sobre um fato importante, ligado ao cotidiano, por meio da dedução com base em uma experiência no laboratório. Segundo o artigo, a indústria têxtil mundial produz hoje cerca de 20 milhões de toneladas de algodão por ano.

“Queríamos dar um enfoque novo às aulas experimentais. Em vez de apresentar uma receita pronta, propondo uma experiência específica, procuramos fazer os alunos refletirem sobre uma questão relacionada ao cotidiano, estimulando a mentalidade de pesquisa. Fizemos a pergunta e eles precisaram deduzir a resposta com um experimento”, disse El Seoud à Agência FAPESP.

O tema do algodão também foi escolhido para aproveitar o fato de que 2009 foi declarado o Ano Internacional das Fibras Naturais, de acordo com uma resolução da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas.

“O fato de o tema estar sendo discutido mundialmente também o aproximou ainda mais da realidade dos estudantes. Os estudantes puderam concluir por que uma fibra natural como o algodão é valorizada. Além disso, nesse contexto, o trabalho será apresentado durante o Congresso Internacional de Fibras Naturais, que ocorrerá em Salvador entre 9 e 11 de setembro”, disse El Seoud.

Segundo ele, os alunos não tinham conhecimento prévio sobre o assunto. Antes dos experimentos foram oferecidas informações básicas. “Explicamos o que é a celulose, o que significa o processo de mercerização – que a indústria utiliza para tornar o fio mais ‘sedoso’, brilhante, aceitando melhor o tingimento – e mostramos a eles fotografias de microscopia eletrônica”, contou.

As microfotografias apresentadas aos alunos faziam parte da tese de doutorado de Ludmila Fidale, orientanda de El Seoud que também é apoiada por bolsa da FAPESP. Segundo o professor, trata-se de um exemplo da importância da pesquisa para a melhoria da qualidade de ensino de graduação.

“Utilizar a pesquisa realizada por nossos pós-graduandos para o ensino em sala de aula é coerente com a disposição da USP em se consolidar como uma universidade de pesquisa. Fala-se muito que, ao fazer pesquisa, estamos melhorando o ensino – e isso é verdade. Esse tipo de abordagem pedagógica é uma forma de tornar esse conceito uma prática efetiva”, disse o professor.

Com os experimentos, os estudantes concluíram que o algodão é mais confortável do que os tecidos sintéticos por três razões: é hidrofílico – isto é, absorve água –, sua fibra tem uma área maior em relação à sua massa e a estrutura possui microfuros que melhoram ainda mais a absorção.

“O algodão é um polímero hidrofílico e absorve muita água, ao contrário do náilon, por exemplo, que não absorve quase nada. Por outro lado, fazendo o experimento, os alunos perceberam que a área de absorção do algodão é imensa: cerca de 140 metros quadrados por grama. Assim, as fibras de uma camisa de 200 gramas têm uma área de absorção equivalente a 28 mil metros quadrados”, disse.

A terceira razão, segundo El Seoud, é que, observando a fibra do algodão de perto, nas fotos de microscopia eletrônica, pode-se ver que ela possui microfuros. “Em contrapartida, a fibra de materiais como o náilon é completamente lisa, sem essa porosidade”, explicou.


O artigo Why does cotton feel “cool”?, de Priscilla Silva, Fábio Rodrigues e Omar El Seoud, pode ser lido por assinantes da Education in Chemistry em www.rsc.org/education/eic/


Fonte: Agência FAPESP




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