Brasil precisa focar em políticas de inovação para não importar tecnologias verdes

Data: 20/08/2009

Brasil precisa focar em políticas de inovação para não importar tecnologias verdes


As políticas de ciência, tecnologia e inovação dão amplas condições para que o Brasil mantenha-se líder da nova economia, mas é necessário focar e incluir neste processo o desenvolvimento de tecnologias verdes, evitando a sua importação, foi o que a Revista Sustentabilidade apurou, a partir do resultado da enquete veiculada em seu portal.
A opinião de especialistas difere do resultado da enquete, já que, a maioria dos 254 internautas que responderam (70,47%) acredita que o Brasil precisa importar tecnologias 'verdes', definidas aqui como processos e produtos que usam menos recursos naturais e causam menor impacto ao meio ambiente.

Entre os 29,53% restante, que acreditam não ser necessário depender do desenvolvimento tecnológico dos outros, está o leitor, Olvídio Augusto Silva que comentou: "Se engana quem pensa que os países desenvolvidos são referência em cuidar do meio ambiente. Precisamos que nossos gestores públicos ofereçam ferramentas capazes de viabilizar a construção de novos valores que abordem a importância da utilização do meio ambiente de forma que as próximas gerações desfrutem da beleza dos nossos rios e florestas".

Silva colocou o dedo na ferida, mas a questão vai mais fundo ainda, pois precisamos entender qual será nossa estratégia para nos mantermos na liderança na nova economia verde, que mantemos até agora em função dos biocombustíveis, da agricultura e da biotecnologia. A questão é se podemos desenvolver e aplicar outras tecnologias verdes para sermos consequentes num cenário onde, a partir a reunição do clima em Copenhague, o mundo pode se dividir entre exportadores e importadores de tecnologias, que tem como objetivo adaptar e mitigar os efeitos das mudanças climáticas.

A atual política industrial do governo Lula fomenta a pesquisa, o desenvolvimento e a inovação em 25 setores-chave, sendo os principais: informática, saúde e automobilístico. Mas, para a futura economia verde temos que de ter desenvolvimento tecnológico próprio e o controle da tecnologia para garantir um desenvolvimento econômico a longo prazo e uma inserção independente no cenário internacional.

Para a organização civil, Pró-Inovação na Indústria (Protec), a importação de tecnologias pode resultar em um atraso no desenvolvimento tecnológico do país.

"O domínio de tecnologias próprias é parte essencial da independência e do desenvolvimento de um país", lembrou o diretor geral da Protec, Roberto Nicolsky.

Ele é um de vários especialistas que acreditam que o país tem a capacidade de desenvolver tecnologias verdes se as políticas públicas de fomento à pesquisa e inovação, que tem recebido recursos crescentes para aproximar pesquisadores acadêmicos das empresas, fossem focadas em setores-chave como energia as energias renováveis, novos materiais, eficiência energética e construção sustentável, sem contar outras oportunidades que vão surgir nos próximos anos.

Dinheiro já existe. O Programa de Aceleração do Crescimento da Ciência (PAC), lançado pelo Governo Federal em 2007, está orçado em cerca de R$41 bilhões, entre recursos públicos e privados, e tem entre seus objetivos elevar o investimento em P&D para um número acima de 1,4% do PIB, contra os atuais 1,1%.

O PAC da Ciência - que inclui programas como o Sistema Brasileiro de Tecnologia (Sibratec), o Programa Pesquisador na Empresa e o Programa Primeira Empresa Inovadora (Prime), entre outros que destinam recursos para empresas desenvolverem inovações de alto potencial mercadológico e de exportação -, parte da identificação de que, apesar do Brasil ter avançado bastante na geração de conhecimento, nas últimas décadas, ele ainda é fraco em inovação.

Segundo a revista britânica, The Economist, o Brasil ocupa a 13ª posição na produção de conhecimento, mas, no ranking dos países inovadores, o Brasil é o 48º colocado, ou seja, tanto o governo, quanto os especialistas independentes identificaram a falta do último elo da cadeia no ciclo de inovação: levar as produtos ao mercado.

No seu livro, Força de Trabalho e Tecnologia no Brasil, Márcio Pochmann, presidente do Instituto de Pesquisa Aplicada do Governo Federal (Ipea), mostra que existe uma rede bem desenvolvida de ciência e tecnologia, mas que somente circunda o setor produtivo, sem ter com ele uma ligação direta. Isso força o Brasil a importar tecnologia, principalmente por meio das empresas transnacionais, implicando em preço alto a ser pago, com consequentes remessas de divisas, num desestímulo à qualificação de mão-de-obra nacional e numa baixa inclusão.

"Se a opção pela importação de ciência e tecnologia se mantiver, as chances de diminuição do grau de dependência tecnológica tornam-se cada vez menores", concluiu Ponchmann.

PROBLEMAS DE ADAPTAÇÃO

Um outro problema em se importar tecnologia é a sua fraca adaptação às condições de uso doméstico e ao meio ambiente local, lembrou Nicolsky. As tecnologias importadas, especialmente as verdes, não só precisam ser adaptadas à cultura local, mas também às condições ambientais, como atestou Airton Dudzevich, diretor da Revendedora e Integradora de Tecnologias Limpas, SuperGreen que importa a maioria de seus produtos e investe para adaptá-los ao mercado local.

Do lado do mercado, a demanda por produtos verdes nacionais ainda é fraca, porque falta um sistema de comunicação melhor sobre as pequisas e produtos nacionais, que, em geral, são subvalorizados e não são percebidas nem pelo empresariado e nem pela população em geral.

"[..."> Ainda que seja interessante a gente conhecer ou trocar tecnologias com o exterior, certamente temos no Brasil um conjunto de tecnologias ainda não visíveis", disse Ada Cristina Gonçalves, secretária técnica do Fundo Setorial de Recursos Hídricos, um dos fundos que compõe a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), citando cases que vão desde eficiência no uso de água em uma industria de bebidas até a eficiência de processos internos.

Conforme mostrou a enquete da Revista Sustentabilidade, a falta de visibilidade é oriunda de um visão empresarial que, tradicionalmente, está acostumada a importar tecnologias, como mencionou Pochmann.

"Sinto que no Brasil há uma grande tendência em se valorizar o que vem de fora e não o que é desenvolvido aqui," disse Sonia Tuccori, da Consultoria Mtuccori - Gestão Estratégica da Inovação e ex-diretora de Pesquisa e Inovação da Natura. "Acho que há uma preocupação dos empresários brasileiros em usar modelos de certificação de sustentabilidade, como o do Green Building Council, que já está estabelecido no mercado internacional [que a Natura escolheu para certificar a nova sede da empresa">".

A consultora ressaltou o fato de que, os empresários acabam optando por uma tecnologia que já tem o crédito internacional, em função da confiabilidade que transmite e pela comprovação da eficiência técnica, que vem no bojo dessa escolha, sem comparar os custos relativos entre importar ou desenvolver localmente uma nova tecnologia.

Foi exatamente esta falta de visibilidade, aliada a falta de políticas públicas de fomento ao empreendedorismo inovador que fez com que a empresa mineira, Rewatt, que desenvolveu um chuveiro capaz de reciclar o calor da água, passasse quase 10 anos sobrevivendo da teimosia do seu idealizador.

O chuveiro foi desenvolvido em 1998, mas somente em 2007 assinou o primeiro contrato de grande porte, com a empresa Cemig, dentro do programa de eficiência energética, a fim de fornecer 7000 unidades para residências de baixa renda, atendidas pela empresa. Atualmente, após o impulso do contrato com a concessionária mineira, a empresa Rewatt está conseguindo se firmar no mercado, com um produto que reduz em 40% o consumo eletricidade durante o banho.

Outro caso que ilustra como esta combinação entre a falta de visibilidade e as políticas internas de P,D&I das transnacionais costumam resultar em importação de tecnologia, é o caso das fabricantes brasileiras de biopolímeros degradáveis, como a Biomater e CBPak.

Ambas desenvolveram o material com tecnologia própria, em laboratórios de faculdades nacionais, utilizando-se de matéria-prima agrícola local abundante, mas foram preteridas pelas multinacionais, Cargill e Bunge, quando estas decidiram vender no Brasil o mesmo material, mas que havia sido feito por empresas americanas, a partir do amido de milho.

As americanas alegaram que não há produção local em escala suficiente para atender as suas demandas e que os custos de investimentos seriam altos.

Enquanto isso, em uma mostra da pujança do empreendedorismo inovador nacional, o fundo de capital semente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Criatec, não tem recursos suficientes para atender à demanda de mais de 40 pedidos de financiamento por mês.

Casos como estes comprovam a existência de um potencial de inovação verde, abrindo a possibilidade para políticas focadas, como as que foram feitas no setor agrícola pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), do Governo Federal, que hoje é reconhecida internacionalmente pelos seus avanços na biotecnologia.

"Sem a atuação da Embrapa não teríamos condições de ser a potência agrícola que somos", disse o diretor geral de Transferência de Tecnologia da Embrapa, Ronaldo Andrade.

Para ele fica claro que, o fomento de tecnologias verdes não depende só do mercado, ou de um sistema de ciência, tecnologia e empreendedorismo inovador, mas é preciso de ter políticas públicas focadas.

MARCO LEGAL

Segundo Andrade, uma das preocupações discutidas em fóruns mundiais sobre tecnologias verdes é a criação de condições regulatórias para que elas sejam adotadas por diversos países.

"Trazer tecnologias para o Brasil é um coisa, ter condições de aplicá-las no país é outra, pois isto depende de condições econômicas, culturais, de marco legal, etc.", explicou Andrade.

Para a economia verde, este marco legal envolve desde legislações - que incentivem a adoção de novos padrões de produção e consumo, como é o caso da Política Nacional de Resíduos Sólidos e outras políticas locais de defesa do clima-, passando por incentivos fiscais e subsídios, incluindo até os códigos de compra governamentais que, como lembrou Pochmann, movimentam 40% do Produto Interno Bruto Brasileiro.

Para o ecólogo, Felipe Andueza, do Programa de Inclusão Digital WebLab, que lançou o manifesto online E-Waste, a favor da logística reversa e da reciclagem de eletroeletrônicos, em parte por causa do estímulo que estas políticas dariam ao desenvolvimento de tecnologias e processos nacionais de reciclagem, leis fortes são necessárias numa etapa inicial.

"Eu acredito que temos de regulamentar e dar prazo para que as empresas se adequem, além de definir qual é a proposta que se tem para o país, se existe tecnologia ou se ela será importada", disse reafirmando que o Brasil deve estabelecer prazos para que as novas tecnologias sejam desenvolvidas aqui mesmo. "A gente tem inteligência neste pais, a gente tem dinheiro , temos um mercado consumidor, tem de forçar [a adoção de novas tecnologias">".

Na contramão, a falta deste estímulo legal atravanca a inovação nas empresas, que ainda precisam criar um mercado para produtos verdes e ter retorno de seus investimentos. Citando apenas um exemplo, a fraca demanda por resíduos da construção civil como insumo de blocos, argamassas e outros materiais reciclados, na região metropolitana de São Paulo, impede o investimento para o desenvolvimento de novas tecnologias de processamento e novos usos do material, segundo Marcelo Baldini, diretor comercial da Urbem, empresa que coleta e recicla entulho.

O setor de reciclagem de pilhas sofre pelas mesmas razões, já que a falta de coleta do produto descartado impede estudos de viabilidade econômica dos processos nacionais de reciclagem de pilhas, desenvolvidos nos laboratórios das universidades.

Mas, segundo especialistas, o modelo para garantir a inovação verde nacional não deve ser de isolamento, como foi a opção da famigerada Lei da Informática, dos anos 80, que, apesar de ter ajudado o desenvolvimento de ponta na informática bancária, atrasou e aumentou custos de TI para o resto do setor produtivo.

Por isso, há um consenso de que a inserção em redes internacionais é necessária e, alguns até acreditam ser necessária a importação de tecnologia neste momento.

Na visão de José Arana Varela, diretor executivo da Agência Unesp de Inovação, na produção de energia, o Brasil está em um estágio muito mais avançado do que outros países, mas que, para pensarmos na questão tecnológica devemos considerar todas as áreas do conhecimento e, neste sentido, ainda temos muito para aprender com os outros países.

"Eu acho que a sinergia e a troca de conhecimento entre os países adiantados e o Brasil é fundamental", disse. "É lógico que nós temos de desenvolver tecnologia autosustentável. Por isso, não devemos desenvolver produtos por desenvolver produtos, e sim desenvolver produtos que possam trazer benefícios a sociedade […"> o que temos de fazer é ter uma sinergia cada vez maior com outros países e grupos de pesquisas. Isso já existe para a pesquisa, mas não existe para a tecnologia”

Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), concorda e acredita que o Brasil precisa ter acesso às melhores tecnologias disponíveis no mundo. Contudo, lembrou que o país também dispõe de um grande volume de tecnológias em desenvolvimento e que podem ser oferecidas aos outros países, como é o caso dos biocombustíveis e das pás de geradores eólicos.

Portanto, é justamente o foco das políticas públicas de desenvolvimento tecnológico que é muito importante, já que a política de inovação nacional, que inclui redes de incubadoras, começa a ser aplicada por meio de subvenções e subsídios. Isto implica na alocação de pesquisadores em empresas, através de sistemas de inovação aberta, além de programas como o Prime e os próprios fundos de capital semente, private equity e venture capital, que já estão sendo aprovadas e apoiadas pelos setores setores produtivos e a comunidade científica.

Somente o Prime investirá, até 2011, R$ 1,3 bilhão em cerca de 1.800 empresas inovadoras, com menos de dois anos de existência. Entre as que foram pré-selecionadas para o programa, estão as das áreas de tecnologia da informação, energias renováveis (painéis solares e aquecedores), telecomunicações, tecnologias hospitalares, engenharia, arquitetura, decoração, entre outras. A Revista Sustentabilidade apurou e verificou que muitos projetos pré-selecionados apresentam um viés verde.

Tuccori aposta no fortalecimento das politicas de incentivo e de financiamento de inovações verdes aqui no Brasil, para aumentar a visibilidade e a confiabilidade dos empresários em adotar as nossas tecnologias ou pelo menos investir nelas junto com o governo.

Neste sentido, disse a consultora, as parcerias com outros países, para o desenvolvimento das tecnologias verdes brasileiras são fundamentais.

"Algumas politicas do governo são importantes nesse momento para dar reconhecimento e credibilidade [às novas tecnologias">. Mas, temos que trabalhar nas redes e estar dentro das redes internacionais”, afirmou Tuccori. "Não podemos perder oportunidades para acelerar o nosso desenvolvimento".

Para Daniela Lerda, coordenadora da Unidade de Conhecimento Aplicado do Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (FUNBIO), é preciso ir mais fundo na orientação de política industrial, pois, na sua avaliação, o Brasil coloca muito mais foco no pagamento da sua balança comercial, através da exportação da commodities agrícolas, do que em um real desenvolvimento de qualquer tipo de tecnologia.

"O fato de o Brasil não contar com um projeto de desenvolvimento industrial, com uma base forte em ciência e tecnologia, faz com que a necessidade de desenvolvimento de tecnologias verdes passe pela necessidade de importação desse tipo de conhecimento e produto, porque ele não existe e não esta sendo financiado no pais", disse.

Daniela destaca que o Brasil deve reconsiderar o seu sistema de financiamento público para estimular o desenvolvimento de tecnologias verdes e assegura que, enquanto essa reconsideração não acontece, o país vai ter que importar as tecnologias verdes.

Fonte: Revista Sustentabilidade


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