Desmatamento na Amazônia é determinado por commodities

Data: 13/08/2009

Desmatamento na Amazônia é determinado por commodities


Os dados ajustados mais recentes do INPE, baseados em fotos de satélite, contém basicamente más notícias para a Amazônia. O desmatamento aumentou em 2008, após cair por 3 anos.

As circunstâncias dessa virada são relevantes para entender a dinâmica do desmatamento no Brasil. Ela aconteceu em um ano marcado pelo início da crise econômica no segundo semestre. As atividades de comando e controle do governo continuaram, ainda que possam ter diminuído um pouco. A moratória da soja produzida em terras desmatadas desde 24 de julho de 2006 estava aparentemente sendo obedecida pelas maiores tradings. A decisão do Conselho Monetário Nacional proibindo as instituições oficiais de crédito de financiarem atividades sem regularização fundiária e licença do Ibama continua válida. Deve-se notar, porém, que a desaceleração econômica determinada pela crise financeira internacional foi precedida por uma bolha de preços de commodities.

O desmatamento aumentou significativamente, a despeito das condições aparentemente adversas, e também mudou sua geografia. O presidente do INPE, Gilberto Câmara,disse em um tweet que o desmatamento migrou do Arco do Desmatamento, área no sudeste do Pará, norte do Mato Grosso e Rondônia, movendo-se para o coração do Pará e Maranhão. As áreas de crescimento do desmamento “estão mais espalhadas, o que dificulta monitoramento e fiscalização”, disse no tweet. Essa migração não obstante, os dois maiores eixos de expansão do desmatamento continuam sendo a Terra do Meio, entre os rios Xingú e Tapajós, e a Br-163, Cuiabá-Santarém.

O primeiro gráfico mostra dados apenas para corte raso. A degradação florestal também cresceu demais, 67%, no mesmo período. As queimadas, usualmente associadas ao desmatamento, também mostram uma tendência fortemente altista.

Esse movimento é um sinal claro de que os problemas de falha de governança na Amazônia não foram resolvidos, como o governo tem alegado desde que o desmatamento começou a cair. Mais ainda, o principal determinante do desmatamento continua a ser o mesmo de antes: a agropecuária extensiva, de larga escala. A relação entre preços de commodities e desmatamento continua valendo. Minha convicção é que essas atividades extensivas não são compatíveis com o objetivo de interromper o desmatamento na Amazônia. Se continuarem toleradas - e até estimuladas - levarão a uma decadência catastrófica da floresta.

Nenhum governo brasileiro teve, até hoje, um projeto que conciliasse atividade econômica e manutenção da floresta em pé. O PAC, deste governo, é antagônico ao objetivo de reduzir o desmatamento. Ele está centrado em estradas e mega hidrelétricas. Estradas são definitivamente o maior fator propiciador do desmatamento e aquelas que, como a Br-319, ligando Porto Velho a Manaus, cortam áreas inexploradas, são vias para a abertura de novas áreas de expansão da fronteira agrícola.

O ministro Carlos Minc, do Meio Ambiente, me disse que nas áreas no começo da Br-319 que o exército já está pavimentando já detectaram desmatamento e ele cresce em ritmo acelerado. O Ibama recusou o EIA-RIMA da estrada, incompleto e insuficiente, e o Ministério impôs uma série de medidas de precaução e compensação, como pré-requisito para a licença, após a aprovação de um novo EIA-RIMA. Há enorme oposição a essas exigências dentro do governo e no Congresso que quer, inclusive, acabar com o licenciamento ambiental de rodovias.

O maior desmatamento é determinado pela produção de commodities agrícolas. As estradas não servem apenas como meio de transporte da produção para os portos, mas também como vias de penetração de população e do agronegócio em áreas inexploradas da floresta. O professor Paulo Fernando Fleury, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, um dos maiores especialistas em logística do Brasil, me disse que sua análise da Br-319 mostra que ela é o modal de menor eficiência e pior custo-benefício para a economia da região. O modal de melhor custo-benefício, olhando apenas a economia da produção regional, seria a hidrovia que já existe e precisaria apenas de investimentos de retificação. Considerando-se os impactos e riscos ambientais, adicionados à análise econômica, a melhor opção seria uma ferrovia.



O gráfico acima associa o Reuters/Jefferies CRB Index of Total Return, que mede o preço de commodities no mercado internacional, e os dados de desmatamento para 2008 e o primeiro bimestre de 2009. Em ambos os casos são médias mensais. A correlação é clara. Uma análise mais fina requereria uma série temporal mais longa, alguma correção para a sazonalidade, por causa do ciclo cheia-vazante e uma análise de possíveis defasagens entre preços e desmatamento. Mas mesmo sem essas sofisticações estatísticas há pouca razão para duvidar nessa correlação e que o desmatamento tem uma lógica econômica por trás.

Essa lógica econômica responde a atividades de grande escala e de exportação. Só ações que atinjam diretamente esses agentes econômicos de grande porte, seja pelo lado da demanda - como a recusa de compra de carne e couro por grandes consumidores - e sanções econômicas estatais contra grandes empresas que estejam associadas ao desmatamento e à degradação florestal estancarão esse processo. Ao fim e ao cabo, uma solução durável, ou sustentável, para a Amazônia vai requerer a substituição dessas atividades de alto risco, por atividades de alto valor agregado, com elevado índice de aplicação de ciência e tecnologia, que gerem mais empregos de qualidade e renda para a população e ajudem manter a floresta em pé.

*Sérgio Abranches, PhD, cientista político, é pesquisador independente sobre Ecopolítica, a relação entre o desenvolvimento econômico, o progresso social e o meio ambiente, com ênfase na mudança climática e na Amazônia. É comentarista da rádio CBN, onde mantém o boletim diário Ecopolítica.
Esta análise foi originalmente publicada no blog Ecopolítica - http://www.ecopolitica.com.br

(Plurale)



< voltar