Crise mundial e déficit sanitário nas Américas

Data: 12/08/2009

Crise mundial e déficit sanitário nas Américas


Conseguir o direito inalienável de cada pessoa à saúde e ao bem-estar é um fator fundamental na busca incansável da prosperidade humana, e exige sociedades mais inclusivas, equitativas e sãs em todos os países. Isto requer um grande compromisso, mesmo nos melhores tempos. Na há dúvidas de que consegui-lo no contexto de pressões econômicas e fiscais e de emergências sanitárias, como o do vírus da gripe A, será uma tarefa difícil.

Entretanto, na realidade, não há outra opção, já que os desafios que colocam à prova a fortaleza dos sistemas de saúde pública surgem constantemente. De fato, se queremos superar a crise, é essencial evitar cortes no gasto social, o maior erro dos programas passados de ajuste estrutural. Reduzir o gasto social só agrava a crise, diminuindo o desenvolvimento humano acumulado e fazendo a recuperação mais difícil, lenta e dolorosa.

As Américas têm uma triste história de distribuição insuficiente e inadequada do gasto público em saúde. A porcentagem do gasto público sanitário se mantém basicamente paralisado nos últimos dez anos, em 3,6% do produto interno bruto para o biênio 2004-2005, apesar de provas fidedignas indicando que um gasto público entre 5% e 6% do PIB é requisito para o acesso universal aos serviços de atenção sanitária. A falta de mecanismos para garantir que o gasto público em saúde beneficie os grupos mais desfavorecidos agrava o problema. Estas deficiências forçam as pessoas a cobrirem os gastos de saúde muito altos com seu próprio dinheiro, o que representa uma proporção excessiva da renda total das famílias pobres.

Assim, o gasto com saúde, incluindo medicamentos, acaba sendo uma causa importante do empobrecimento das famílias nos casos de doenças crônicas ou potencialmente mortais que se convertem rapidamente em situações catastróficas. Isto demonstra a necessidade de atenuar os efeitos da crise, tanto imediatos quanto no longo prazo, mediante a preservação dos investimentos no desenvolvimento humano e no fortalecimento das redes de segurança para as pessoas mais vulneráveis. “Mais vale prevenir do que curar.”

As circunstâncias econômicas atuais exigem que se dê maior atenção ao uso eficiente e eficaz dos recursos. Como investir em saúde pública para aumentar a cobertura e fortalecer os sistemas de cuidados médicos, ao mesmo tempo em que se garante a eficiência máxima no uso dos recursos e no maior rendimento do investimento social? Temos uma oportunidade histórica de conseguir os dois objetivos ao estabelecer com firmeza e consolidar sistemas de saúde baseados na atenção primária de saúde (APS).

Dados confiáveis internacionais mostram que os sistemas de saúde baseados na APS geram resultados sanitários melhores e mais equitativos. São mais eficientes, têm custos menores no longo prazo, são mais resistentes às crises e às mudanças demográficas e epidemiológicas, e podem melhorar a satisfação dos usuários. Países de poucos recursos que adotaram um enfoque APS puderam estabelecer sistemas que são universais, equitativos, flexíveis e sustentáveis, que dão melhores resultados e atendem a cidadãos mais satisfeitos. Por outro lado, nações ricas que não adotam um enfoque APS acabam tendo sistemas de saúde extremamente caros em relação aos resultados e que, além disso, criam muita desigualdade.

Por fim, no momento em que nossos países enfrentam não apenas os efeitos da crise econômica mundial, mas também consideráveis desafios sanitários, como o vírus da gripe A/H1N1, é crucial aumentar ou pelo menos manter o orçamento destinado à saúde pública e aproveitar, ao mesmo tempo, esta oportunidade para empreender uma reforma forte em seus sistemas de saúde com base na APS.

Além de reconhecer a contribuição da saúde pública, tanto nos processos de integração e desenvolvimento hemisféricos como na criação de sociedades mais democráticas e equitativas, esta visão também facilitará soluções mais eficazes para a complexidade cada vez maior dos desafios de saúde pública que hoje devem enfrentar os países das Américas.

(*) Mirta Roses-Periago é a diretora da Organização Pan-Americana de Saúde.



(IPS/Envolverde)


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