A degradação do planeta é o desafio do século

Data: 03/08/2009

A degradação do planeta é o desafio do século


Uma contribuição fundamental para uma correta organização do desafio do século: a defesa da criação de tudo aquilo que está provocando a sua degradação, sem cair na armadilha do catastrofismo climático.

É assim que Franco Prodi, estudioso de física da atmosfera, de meteorologia e de climatologia de indiscutível autoridade comenta o tema proposto por Bento XVI para o Dia Mundial da Paz de 2010 - “Se quiser cultivar a paz, preserve a criação” - divulgado na manhã de quarta-feira, 29/7.

A reportagem é de Mario Ponzi, publicada no jornal do Vaticano, L’Osservatore Romano, (30/7). A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Na entrevista concedida ao L’Osservatore Romano, Prodi - pesquisador do Centro Nacional de Pesquisas da Itália desde 1967, professor universitário e membro de numerosas comissões de estudos nacionais e internacionais sobre atmosfera e clima - destaca a importância da atenção que o Papa exige constantemente para a questão ambiental, principalmente na ótica da proteção da criação como pressuposto imprescindível para construir a paz.

Eis a entrevista.

Qual impressão causa a um cientista a aproximação entre a paz e a proteção do ambiente proposto pelo Papa?

A primeira impressão e a de nos encontrarmos diante de uma intervenção justa e pontual para o momento que estamos vivendo, caracterizado por uma série de debates sobre o clima. A meu ver, a ênfase dada nesses últimos anos aos aspectos das mudanças climáticas se desviou um pouco daquele que é o aspecto fundamental da questão ambiental: a proteção do planeta da indubitável degradação à qual é submetido. O conhecimento da ciência sobre o sistema climático ainda é incompleto, no sentido de que ele é incapaz de produzir previsões confiáveis sobre as mudanças climáticas. Essa consciência levou, como contragolpe, ao ceticismo e também à falência de encontros como o de Kyoto. Por isso, considero perfeitamente atual o convite do Papa de chamar a atenção sobre a centralidade da proteção do meio ambiente do planeta, da criação. É o aspecto objetivamente mais comprometido: não hesito em usar o termo tragédia justamente quando penso na degradação planetária ambiental.

Bento XVI na sua recente encíclica “Caritas in veritate” destacou a questão da proteção ambiental como o desafio do século a ser enfrentado conjuntamente, pois se refere a toda a humanidade. Existe essa consciência no mundo?

Não acredito que seja tanto questão de consciência, mas sim de vontade. É claro que a questão da degradação ambiental, tanto no sentido positivo quanto no negativo, exerce influências no plano econômico. Portanto, a primeira coisa que precisaria ser feita é separar interesses de mercado da questão ambiental. Não é questão de sermos conscientes ou não: é, antes, capacidade de renunciar pela proteção do bem comum. Seria preciso, pois, ampliar o discurso para outras questões.

O senhor se referiu à falência do protocolo de Kyoto. Porém, continua sendo invocada - Bento XVI fez por primeiro e repetiu também nesta ocasião - a necessidade de colaborar em nível internacional. Isso foi feito no G8 de L’Aquila, vai ser feito de novo durante o próximo G20 e, no fim do ano, em Copenhagen, se tentará ressuscitar justamente o protocolo de Kyoto. Porém, há países como a China e a Índia que continuam ficando de fora.

Aqui nasce o meu, digamos, ceticismo com relação a uma pressuposta mudança substancial no quadro internacional: sempre haverá uma oposição ditada por interesses econômicos. Se, para dar um exemplo, o confronto é entre quem quer colocar um bem econômico no mercado, deixando de lado o fato de que se polui para produzi-lo, e aqueles que não o produzem justamente para não poluir, é claro que hoje o segundo sucumbe, e o primeiro vence. Daí nasce o meu ceticismo. Seria preciso um acordo total, de todas as nações, mas no momento eu não vejo isso muito próximo. E depois continuo repetindo que a questão das emissões de gás carbônico (CO2) é posta com muita ênfase, e isso apresenta o risco de conduzir ao impasse.

Ficando na questão das emissões de gás carbônico, segundo o senhor, é justo pedir que os países em desenvolvimento limitem-nas, quando os países desenvolvidos, que poluem mais, não fazem nada para diminuí-las?

É aqui que eu vejo toda a importância dos contínuos apelos do Papa. Mesmo nesse documento, Bento XVI sublinha justamente a interdependência que une todos os povos do planeta, toda a humanidade. A terra é a casa comum de todos os homens. Portanto, o Papa pede que todos respeitem a criação, que se esforcem pela sua proteção. É claro que a atitude à qual eu me referia deve ser combatida. Se todos escutassem o apelo à convergência dos interesses da humanidade já estaríamos bem adiante.

Bento XVI continua invocando uma maior responsabilidade global nesse sentido.

E ele o faz mais um vez agora, aproximando a questão da paz à questão ambiental. Pensemos em quantos danos a poluição ambiental já fez: desde a água, aos mares e não só na proximidade das costas, dos pólos e dos trópicos. A degradação é planetária. Infelizmente, esse aspecto é minimizado. Enquanto a situação vai se tornando efetivamente preocupante, de outro lado estão as mudanças climáticas. Quanto a isso, eu acredito que se deve buscar uma convergência internacional, que eu considero que seja possível de se encontrar. Só depois será possível trabalharmos juntos no triângulo clima-degradação-energia, entendido no sentido de como se extraem as energias que o planeta nos coloca à disposição sem destruí-lo.

Bento XVI considera ainda que a questão ecológica não deve ser enfrentada só pelas terríveis perspectivas que a degradação ambiental apresenta, mas deve se traduzir em uma forte motivação para cultivar a paz.

Eis por que eu faço de mercado. Concentrar a atenção no clima no fez perder de vista o essencial: é preciso um acordo imediato para se fazer, sim, com que as leis de mercado sejam submetidas à urgência do respeito planetário. Nesse sentido, a recomendação do Papa é fundamental. Devemos aprender a considerar o nosso planeta como a casa de todos. E devemos começar a pensar na necessidade de transmitir essa casa às gerações futuras de um modo íntegro no máximo possível. Por isso, temos o dever de proteger a criação: é uma obrigação moral. E, se essa obrigação moral estiver efetivamente na base de um acordo internacional planetário e vinculante, a paz será sua consequência “inevitável”.

Fonte: Mercado Ético



< voltar