O marketing insustentável

Data: 28/07/2009

O marketing insustentável


Por Levi Carneiro*

Se fosse um animal, o marketing seria o camaleão. Está sempre procurando se adaptar às mutações do ambiente de negócios e consumo à sua volta. Agora mesmo uma parte do marketing está querendo se transformar em branding. Simultaneamente, tem muita gente se esforçando para provar que marketing tem tudo a ver com sustentabilidade.

Nada contra esse dinamismo natural e até genético do marketing. Nem contra a disposição de tantos profissionais da área para mudar e evoluir. Afinal, o mundo está no olho de um furacão de graves e profundas mudanças. Porém, se quer mesmo incorporar princípios de sustentabilidade e estar aberto para uma abordagem mais consistente das marcas (branding), é fundamental que o marketing, antes de mais nada, identifique com clareza o que é de fato insustentável nas suas orientações e práticas.

A intenção desse artigo é contribuir nesse sentido: localizar as bases da insustentabilidade que persistem no marketing defendido e praticado por especialistas e empresas, pois só assim será possível levar adiante, pela via da superação, a construção de um novo “ecossistema” em torno da disciplina.

Para tanto, aqui estão identificadas, do nosso ponto de vista, quatro limitações de abordagem que não mais se sustentam no marketing contemporâneo:

1. Não dá mais para “vender” apenas produtos e serviços. Por mais que o marketing tenha avançado para definições que se referem às experiências do consumidor (Schmidt) ou aos seus envolvimentos emocionais (Gobé), os produtos continuam exercendo um papel central, limitante e contaminador na fala e na ação dos marketeiros

Ora, uma das conseqüências mais visíveis da atual “revolução das comunicações” é aumentar a exposição das empresas e facilitar o acesso a elas. Isso tem feito com que as pessoas, diante de produtos e serviços cada vez mais parecidos ou até mesmo iguais, procurem a “diferença” na organização que está por trás deles. A marca institucional, que entra no verso da embalagem, que “assina embaixo e garante” um produto, passa a interessar mais e mais.

O marketing precisa estar sintonizado nesse movimento e dar um salto: tem que apresentar ou “vender” também as empresas e não somente os atributos, os benefícios ou as experiências de cada produto ou serviço. Tem que sair da prateleira da loja e mostrar a fachada inteira das organizações. Tem que ir além do posicionamento exclusivo de um serviço e tratar da promessa geral da empresa. Pode continuar falando de features e novidades tecnológicas específicas, mas sem deixar de realçar os valores corporativos.

Essa chancela corporativa da marca contribui para colocar as relações de consumo num patamar superior e ainda ajuda a dar um novo significado aos próprios produtos e serviços. A campanha “Viva positivamente” da Coca-Cola Brasil é o exemplo mais fresquinho de um marketing que revela uma nova postura das organizações.

2. Do outro lado do balcão (real ou virtual), o consumidor não está sozinho. Se o produto não pode aparecer mais sem vinculação com uma matriz corporativa, há mudanças necessárias também ao se abordar o cliente/consumidor.

A relação marketing/consumidor ora foi dominada pelo primeiro, ora pelo equilíbrio entre os dois e, há algum tempo, tem estado mais dominada pelo fortalecimento do cliente/ consumidor. Daí o esforço do marketing em abrir tantos call centers, SACs, ouvidorias e outros canais para deixar fluir a força e a razão dos que consomem e estão cada vez mais munidos de direitos.

No entanto, os professores John Balmer e Stephen Greyser, defensores do marketing corporativo, chamam a atenção para um outro giro necessário: mais do que o consumidor-cidadão-ativo, o marketing precisa levar em conta os demais stakeholders das empresas. Os acionistas, os colaboradores ou funcionários, as comunidades e outros públicos de interesse têm desejos e necessidades com influência crescente. Sem esquecer que, muitas vezes, o mesmo stakeholder desempenha dois ou três papéis: é colaborador, membro da comunidade e cliente ou é acionista e executivo da organização.

Essa rede cada vez mais articulada e poderosa de interesses tem que ser considerada. Olhando além dos desejos isolados dos consumidores e enxergando as motivações dos demais stakeholders, o marketing ajuda as organizações a enfrentarem um dos desafios básicos da sustentabilidade: como atender necessidades mais gerais do presente sem sacrificar a satisfação de necessidades de gerações futuras.

3. Relacionamento exige compromisso, confiança e continuidade. Entre os seus esforços de mudança, o marketing tem insistido muito na idéia do relacionamento, criando até ferramentas de gestão, como o CRM, e desdobramentos para aproximar-se desse ou daquele segmento (marketing esportivo, marketing “verde”, etc).

Mas, ao fazer isso, o marketing precisa comprometer-se mais para construir de fato relacionamentos produtivos e duradouros. É difícil acreditar em duração e compromisso com tantas trocas nas empresas: trocam-se os colaboradores (nas lojas, os vendedores duram menos que as coleções), troca-se a direção das empresas, trocam-se até nomes e marcas (quem dá conta de guardar a “árvore genealógica” das empresas de telefonia móvel?), tudo numa velocidade difícil de processar e absorver.

De um lado, os cortes de custos estão assumindo uma proporção de tamanho impacto nas empresas que acabam cortando também as conexões e os laços que unem as marcas com seus públicos. De outro, há uma grande confusão entre inovação permanente e alterações sucessivas e repentinas, entre surpreender e assustar.

Relacionamento mesmo pressupõe fidelidade, confiança, reciprocidade, equilíbrio. Estudo do Centro de Desenvolvimento do Varejo Responsável da Fundação Dom Cabral (FDC) mostra, por exemplo, a importância vital desses princípios para a sustentabilidade das relações de um varejo mais sadio. O marketing terá que investir nessa direção, compartilhando com os stakeholders todas as informações, situações e desafios que lhes digam respeito.

Relacionamento para valer exige do marketing uma atitude mais amistosa, mais consultiva e de maior colaboração. Um bom começo é abrir mão de vez das meias- verdades, dos conteúdos enganosos, de mensagens levianas e muitas vezes socialmente irresponsáveis. Em outras palavras, o marketing não pode ser mais uma embalagem que esconde, falseia ou altera o que vem dentro da caixa.

4. O marketing não se basta, exige integração e interdependência. Dentre outras descobertas, uma pesquisa concluída em 2008 pela Troiano Consultoria de Marca, que entrevistou 50 CEOs de empresas de destaque atuantes no Brasil, constatou o seguinte: os departamentos de marketing estão estruturados como “feudos”, estabelecendo poucas trocas e interfaces com áreas estratégicas das organizações empresariais. A conseqüência disso, como ponderam os próprios CEOs, é que o marketing não tem autoridade e gabarito para abordar a questão das marcas de forma mais ampla e corporativa, como vem se demonstrando necessário.

Esta é a era da interdependência, da organização por processos, da integração das equipes ou células. Não cabe mais o isolamento, a demarcação rigorosa de limites, a competência departamentalizada.

Por isso mesmo, uma das condições de sustentabilidade do marketing é romper com a sua autossuficiência e iniciar um processo de integração e troca com os RHs, os financeiros, as operações, as TIs e todas as outras áreas. Daqui em diante, todos os processos se comunicam, mesmo que mantenham suas especificidades.

Uma nova cultura sustentável exige uma abordagem transversal da marca em toda a organização, fazendo com que ela ganhe significado e tradução em todos os aspectos e dimensões. Como frisam as professoras Mary Jo Hatch e Majken Schultz, autoras do Taking Brand Initiative, a responsabilidade pela marca agora vai da alta direção da companhia “to every nook and cranny in the organization” e, além disso, alcança toda a rede de stakeholders que dão suporte à empresa.

Sintetizando, o marketing está diante de desafios mais estratégicos e estruturais. É preciso uma revisão profunda de seus objetos, sujeitos, argumentos e mensagens e de sua própria constituição. Só assim será possível mudar e evoluir e não realizar apenas acomodações de superfície ou retoques cosméticos. Diante dos novos tempos, mais que uma camuflagem ou qualquer outro truque camaleônico, o marketing precisa mudar a “alma” do seu negócio.

* Levi Carneiro é diretor associado da Troiano Consultoria de Marca.

Fonte: Mundo do Marketing



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