Crescimento econômico, meio-ambiente e sustentabilidade social - parte 3

Data: 28/07/2009

Crescimento econômico, meio-ambiente e sustentabilidade social - parte 3


Do caso dos transgênicos para a tecnociência em geral

A pesquisa e desenvolvimento dos transgênicos se tornaram instrumentos importantes para o crescimento nos setores do agribusiness e biotecnologia na economia internacional; eles também são instâncias exemplares de pesquisa, desenvolvimento e inovação na tecnociência. Considerar legítima a implementação de métodos transgênicos serve aos interesses que fomentam o crescimento econômico, daí a necessidade de aceitar reivindicações que fazem parte de suas condições de legitimação, como “nenhum risco” e “nenhuma alternativa”. Juntar evidências contra estas reivindicações poderia se tornar um obstáculo ao crescimento econômico. Assim, não surpreende que dentro da lógica do capital, pesquisas sobre as possibilidades dos transgênicos receberão prioridade sobre aquelas acerca das condições legitimadoras de seu uso[i">. Esta lógica parece ganhar justificação “científica”, já que instituições científicas tendem a endossar a concessão de privilégios para a abordagem descontextualizada e praticamente excluir o uso de estratégias alternativas, por exemplo, aquelas envolvidas na pesquisa agroecológica - efetivamente identificando, desta forma, a pesquisa “científica” com aquela realizada por meio da abordagem descontextualizada, e assim dando um estatuto científico virtualmente único para a tecnociência[ii">.

Priorizar o crescimento econômico reforça (e é reforçado por) dar estatuto científico praticamente único para a tecnociência e não levar o pluralismo metodológico a sério, e assim desconsiderar os tipos de assuntos que, quando ignorados ou apenas tratados como considerações tardias, muitas vezes levam ao enfraquecimento ou a ameaças à sustentabilidade social e ambiental. Se, ao contrário, consideramos a sustentabilidade como um objetivo primário, estar bem equilibrado com atividades econômicas que engendram bem-estar para todos os seres humanos reforça a necessidade do pluralismo metodológico para investigar todos os assuntos relevantes à legitimidade da implementação de inovações tecnocientíficas (como os transgênicos), incluindo os riscos indiretos e as alternativas. Isso também reforça colocar em primeiro lugar na agenda de pesquisa, em todos os campos da inovação tecnocientífica, perguntas como a primeira questão enunciada acima: “que métodos agrícolas, e em que combinações e com que variações, poderiam ser sustentáveis e suficientemente produtivos, quando acompanhados por métodos viáveis de distribuição, para responder às necessidades de alimentação e nutrição de toda a população mundial no futuro próximo?”

O espaço de alternativas

Eu sugiro que fazer isto envolve localizar cada classe proposta de inovações tecnocientíficas (por exemplo, transgênicos, nanotecnologia) - assim como cada uma de suas instâncias particulares: por exemplo, variedades resistentes a herbicidas, uso de nanopartículas em tintas - num espaço de alternativas. O que é o espaço de alternativas? Isso dependerá de quais são os benefícios propostos (antecipados). No caso dos transgênicos, este espaço é relativamente fácil de especificar - quais são as possíveis formas alternativas de suprir as necessidades de alimentação e nutrição do mundo no futuro próximo? Este benefício tem valor universal.

Quando o suposto benefício é suprir uma necessidade particular (fome, desnutrição, doenças, produção de energia), esforços para identificar o espaço de alternativas devem levar em conta o fato de que os objetos que constituem a inovação não são apenas físicos (biológicos) e abertos para a investigação dentro da abordagem descontextualizada, mas também objetos sócio-econômicos, cujos efeitos não podem ser investigados adequadamente através da abordagem descontextualizada. Isto requer investigações sob estratégias apropriadas: qual é o contexto causal histórico e socioeconômico da existência e manutenção do problema? A solução proposta para o problema lida com as causas que criaram e mantêm o problema[iii">? A solução proposta será implementada no mesmo sistema que gera estas causas e, se for o caso, será que ela fortalecerá ou aliviará o problema, ou será que ela criará problemas novos (de seriedade igual ou pior)? Ela terá efeitos positivos nos interesses e valores daqueles que sofrem a necessidade? Qual é o seu desempenho, em relação a estes assuntos, comparada a alternativas possíveis que são cogitadas por aqueles que investigam o nexo causal do problema?

A inovação tecnocientífica normalmente ocorre em contextos onde estas perguntas não são feitas. A tecnociência tende a abordar os problemas definindo-os de forma que os abrem para soluções por meio de inovações tecnocientíficas - ou talvez ela se concentre em problemas que podem ter uma “solução” tecnocientífica -, reduzindo cada problema a um conjunto de problemas discretos, todos definidos em termos físicos, químicos, bioquímicos ou biológicos, dissociados do nexo causal socioeconômico em que os problemas estão localizados. Todavia, este nexo pode unir as várias dimensões de um problema num todo que pode ser tratado por meio de pesquisas conduzidas sob estratégias apropriadas, e talvez nem todas elas se encaixem na abordagem descontextualizada. A abordagem da tecnociência efetivamente pressupõe que este não é o caso, mas determinar se este é ou não o caso é, de forma ampla, uma questão aberta a evidências empíricas.

Isto é muito bem ilustrado pelo caso do “arroz dourado”, um transgênico que produz beta-caroteno no endosperma do arroz. Ele foi proposto como uma solução para o problema de deficiência de vitamina A nas dietas de muitas crianças pobres em regiões empobrecidas do mundo. Mas a falta de vitamina A é um componente da desnutrição, que, por sua vez, é mantida (se é que não é causada) pelo sistema socioeconômico predominante e as forças políticas aliadas a ele (Lacey 2006: cap. 3, seção 3). O arroz dourado só será um componente plausível para a solução do problema da desnutrição se pudermos lidar com todas as dimensões da desnutrição, uma a uma, de forma similar e na prática juntar todas elas, e se pudermos alcançar todas as possibilidades de sementes investigando-as apenas como objetos biológicos, e não também como objetos socioeconômicos. Mesmo que a ingestão regular de arroz dourado reduza a deficiência de vitamina A, o desenvolvimento do arroz dourado não levará a este acontecimento a não ser que as famílias das crianças em questão tenham os meios econômicos para comprar o arroz[iv">. O arroz dourado, sem mudanças socioeconômicas fundamentais, não pode resolver o problema da deficiência de vitamina A, e ele praticamente não toca no problema maior da desnutrição. Além do mais, por exemplificar a pesquisa realizada por meio da abordagem descontextualizada, a pesquisa biotecnológica que produziu o arroz dourado não utiliza as estratégias necessárias para explorar (por exemplo) soluções agroecológicas potenciais para o problema. Ela também não consegue lidar, por um lado, com a afirmação de que a desnutrição generalizada foi causada pela introdução de modernos métodos agrícolas monocultores com uso intensivo de produtos químicos que substituíram métodos mais antigos que têm muitas características em comum com a agroecologia; e, pelo outro lado, com os efeitos (sejam positivos ou negativos) da transformação da agricultura em regiões empobrecidas que seria necessária para cultivar o arroz dourado em grande escala.

Neste caso, o espaço de alternativas precisa incluir não apenas formas de agricultura convencionais e orientadas para transgênicos - as formas cujas características centrais são fundamentadas pela tecnociência - mas também a agroecologia e várias formas de cultivo orgânico, que podem utilizar objetos e procedimentos tecnocientíficos, mas cujas características definidoras não dependem disto. Senão nem todas as questões relevantes para julgar a legitimidade das inovações serão tratadas. Quando elas forem tratadas, talvez a pesquisa sobre agroecologia não tenha prioridade menor do que a sobre transgênicos, pois não haverá uma presunção[v"> que as inovações tecnocientíficas são a chave para obter desenvolvimentos agrícolas relevantes.

Os objetos tecnocientíficos são sempre caracterizados em termos físicos, químicos, bioquímicos, eletrônicos, nanotecnológicos, etc. - os termos pertinentes para compreender como eles foram construídos e como se explica sua eficácia, a caracterização que se encaixa facilmente com uma descrição dos efeitos imediatos de seu uso que são considerados benefícios e aqueles que podem ocasionar riscos diretos. Em geral, entretanto, ao se especificar o espaço de alternativas, eles também devem ser caracterizados como objetos socioeconômicos que terão um papel em atividades sociais, que podem ter efeitos de longo alcance que não podem sequer ser antecipados quando se limita as pesquisas àquelas que se encaixam na abordagem descontextualizada. As abordagens, sem dúvida, incluirão (e devem incluir) alternativas tecnocientíficas: no caso da energia, por exemplo, usos de combustíveis fósseis, biocombustíveis, energia nuclear, energia eólica e solar, etc.; mas também alternativas que (apesar de poderem ter aspectos tecnocientíficos) são caracterizadas principalmente em termos de sua capacidade de reduzir o uso de energia por meio de rearranjos socioeconômicos[vi">.

O espaço de alternativas precisa ser caracterizado adequadamente para que investigações empíricas relevantes para tratar da questão, “Que alternativa, considerando todas as coisas, é a melhor alternativa?”, possam ser realizadas, e com variações que dependem de como se deve pensar “melhor” no contexto de locais e perspectivas de valores diferentes. Hoje em dia, com a redução da ciência à tecnociência, o espaço de alternativas tende a ser tão estreito que inclui apenas as alternativas que poderiam ser realizadas na trajetória das formas de capitalismo atualmente dominantes. Ele é restrito àquilo que é aceitável a interesses socioeconômicos particulares; e parece que, às vezes, esta restrição é considerada uma condição de legitimidade. Então, os resultados da pesquisa empírica são limitados pelo papel (interferência?) desempenhado por estes interesses, e outras alternativas são descartadas, não por que - durante a investigação empírica - elas são consideradas impossíveis de realizar, mas por que elas não são consideradas dignas de investigação[vii">. O espaço de alternativas, nesta situação, é identificado sem se considerar assuntos de sustentabilidade como parâmetros importantes. Isto deixa questões sobre legitimidade nas mãos dos poderes predominantes, em vez de serem baseadas em resultados empíricos quando possível. Por outro lado, o objetivo de desenvolver um novo equilíbrio entre sustentabilidade e arranjos socioeconômicos que melhoram o bem-estar humano em geral levaria à identificação do espaço de alternativas de tal forma que atividades científicas seriam desenvolvidas para melhorar a incorporação dos três valores das práticas científicas: objetividade, neutralidade e autonomia.



[i"> Às vezes não é apenas uma questão de prioridades. Há casos de corporações usando seus direitos de propriedade intelectual sobre várias sementes transgênicas para impedir que se realizem pesquisas sobre os riscos que o uso comercial dessas variedades pode acarretar, negando licenças para o uso de suas sementes em experimentos realizados por grupos independentes para avaliar seus riscos potenciais (Dalton & Diego, 2002).

[ii"> Como mencionado acima, hoje em dia é comum simplesmente assumir que a ciência é idêntica à tecnociência nas principais instituições científicas e agências de financiamento (nota 3). Então, é claro, faz parte da “ciência” que a pesquisa seja conduzida dentro da abordagem descontextualizada. Assim, desta perspectiva, será estranho dizer que esta pesquisa foi priorizada à custa de pesquisas realizadas sob estratégias que não se encaixam na abordagem descontextualizada (por exemplo, agroecológica). Mas, então, os assuntos que eu chamei de pertinentes para a legitimidade são, por definição da palavra “ciência”, fechados à investigação “científica” - e assim a “ciência” não tem nenhuma autoridade em relação a eles (quando cientistas reivindicam autoridade sobre estes assuntos eles estariam violando a objetividade). Parece-me enganoso definir efetivamente “ciência” de forma que deixe assuntos importantes que podem ser investigados empiricamente de forma sistemática com resultados que se conformam com a norma da objetividade fora do que é considerado “ciência”. Estas investigações não deixam de ter importância só por que não se aplica o rótulo “ciência” a elas, nem são seus resultados menos testáveis empiricamente ou passíveis de serem aceitos de acordo com a objetividade. Todavia, nada em meu argumento depende de quais investigações são rotuladas de “científicas” e quais não são. O que quero dizer é que “investigações empíricas sistemáticas cujos resultados se conformam com as normas da objetividade” não é redutível a “pesquisa conduzida dentro da abordagem descontextualizada” (e, assim, à “tecnociência”), e sim admitem um papel para um pluralismo de estratégias que inclui aquelas da abordagem descontextualizada, mas não se limita a elas.

[iii"> Ela removerá as causas ou apenas enfrentará os sintomas? (Beck, 1992).

[iv"> Ou que existam programas de assistência para sua distribuição grátis - mas programas de assistência servem no máximo para lidar com emergências de curto prazo, não problemas crônicos.

[v"> Quando se realiza a pesquisa, em muitas situações, inovações tecnocientíficas podem ser implementadas legitimamente. E práticas que não são fundamentalmente tecnocientíficas podem, quando for conveniente, utilizar algumas inovações tecnocientíficas. A agroecologia, por exemplo, pode utilizar muitas descobertas biotecnológicas - por exemplo, técnicas de análise genômica que podem ajudar na seleção de sementes de cultivo. O que quero dizer é que não há nenhuma razão - enraizada na natureza da pesquisa científica - para presumir, antes de realizar a pesquisa em questão, que elas serão. Meu argumento não é contra a realização de pesquisa tecnocientífica, mas sim que ela seja conduzida no contexto da exploração de um espaço de alternativas apropriado. Nem sempre haverá alternativas como a agroecologia, quero dizer, uma alternativa para uma prática humana básica e essencial, cujos detalhes “técnicos” são fundamentados por resultados objetivos obtidos sob estratégias que não se encaixam totalmente na abordagem descontextualizada.

[vi"> Eu não quero dizer que os dois conjuntos de alternativas sejam independentes. As inovações tecnocientíficas que são cogitadas podem refletir os valores e interesses de seus usuários em potencial. Isto é importante para as reflexões de Feenberg sobre a “democratização da tecnologia”, por exemplo, em Feenberg (2006). Isto também é importante para tratar das tensões discutidas neste artigo.

[vii"> Isto explica por que a primeira pergunta que eu coloquei sobre a legitimidade no caso dos transgênicos não tem um papel importante na maioria das pesquisas da ciência de variedades agrícolas.

Fonte: Mercado Ético


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