Índia: Banheiro já não é uma palavra feita

Data: 23/07/2009

Índia: Banheiro já não é uma palavra feita


Até pouco tempo atrás, na Índia ninguém se animava em falar sobre banheiros, pois era um assunto tabu. Os que trabalhavam limpando banheiros e vasos sanitários eram chamados “intocáveis” e “desprezíveis”, explicou Bindeshwar Pathak, ganhador este ano do Prêmio Estocolomo da Água. “Não lhes permitiam misturar-se com outras pessoas nem ter interação social, e eram odiados, humilhados e insultados”, disse à IPS. Na sociedade indiana anterior à independência de 1947, uma pessoa que nascia na casta dos intocáveis morria intocável, explicou Pathak, fundador do Movimento Sulabh pelo Saneamento.

Mas as coisas mudaram drasticamente no segundo país mais populoso do mundo (com 1,1 bilhão de habitantes, atrás da China com 1,3 bilhão) e onde mais de 600 milhões de pessoas carecem de acesso a um banheiro. Pathak, que também ganhou no mês passado o Prêmio de Energias Renováveis da Organização das Nações Unidas por desenvolver uma tecnologia de banheiro que produz energia com excremento humano, atribui ao seu Movimento o sucesso de ter motivado e educado a população para mudar sua forma de ver os vasos sanitários. “Minhas inovações tiveram um tremendo impacto no meio ambiente, na saúde e no bem-estar de milhões de pobres na Índia”, acrescentou.

Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio obrigam as nações do Sul a reduzirem pela metade o número de pessoas sem acesso à água e ao saneamento até 2015. Em entrevista à IPS, Pathak afirmou que a Índia pode conseguir cobertura total até 2020.

IPS- A ONU diz que para atingir a meta de saneamento cerca de 173 milhões de novas pessoas em todo o mundo deveriam ter acesso a ele a cada ano, a partir de agora. Considera isso possível?

Pathak- Em minha opinião, a Índia atingirá sua meta porque desenvolveu uma tecnologia sustentável e acessível, bem como uma metodologia para implementar o programa, mas, duvido um pouco sobre alguns países que não criaram tecnologias aplicáveis às suas condições sócio-econômicas. Nenhum país poderá conseguir a meta se pensar em termos de esgoto e fossas sépticas. Capacitamos profissionais de 14 países africanos sobre as Tecnologias Sulabh de Saneamento, e espero que essas nações procurem cumprir as expectativas dos Objetivos do Milênio.

IPS- O quanto é grave o problema do saneamento na Índia?

Pathak- Graças às tecnologias desenvolvidas por mim e à conscientização e motivação das pessoas e do governo, a cobertura chegou a 63% em áreas urbanas e a 57% nas rurais. Mas, devido à alta carga populacional da Índia, mais de 600 milhões de pessoas ainda não têm acesso a banheiros. Porém, há esforços muito sinceros do governo para alcançar essa meta, agora que se conta com tecnologias apropriadas, acessíveis e sustentáveis, e também com um favorável nível de consciência na comunidade, graças aos esforços de Sulabh. Estou plenamente convencido de que, no ritmo atual, a Índia resolverá o problema no futuro imediato.

IPS- Qual é sua inovação e que impacto teve nas comunidades pobres da Índia?

Pathak- Inovei, inventei e desenvolvi duas tecnologias para manejo dos dejetos humanos. Em países europeus, nos Estados Unidos e na Austrália, os sistemas de esgoto e fossas sépticas foram adotados em grande escala. As duas tecnologias são caras para construir e manter. Assim, podem ser adotadas em apenas poucas localidades da Ásia, África e América Latina. Na Índia, o saneamento existe para pequenas porcentagens de populações urbanas. De 1870 a 2009, de 5.1616 cidades e povoados, apenas 232 tinham latrinas. Portanto, prevalecia a defecação ao ar livre e o uso de balde com vaso sanitário. Nenhuma casa nas áreas rurais contava com privadas, e nas urbanas os baldes costumavam ser limpos pelos chamados “desprezíveis”, considerados intocáveis antes da independência.

IPS- Como isso mudou?

Pathak- Em 1968, quando cheguei à cena, a cobertura de saneamento era de apenas 15% nas zonas urbanas. Estudei o que implicaria instalar esgoto e fossas sépticas e conclui que essas tecnologias não deteriam a defecção ao ar livre nem em buracos. Com ajuda de dois estudos e aplicação da minha mente, desenvolvi duas tecnologias: uma para conversão de baldes simples em vasos sanitários com fluxo de água para as casas, e outra para a construção de banheiros em locais como pontos de ônibus, estações de trens e lugares turísticos e religiosos.

IPS- O quanto está propagada a nova tecnologia?

Pathak- Como a Índia carecia de tecnologias apropriadas, começou a ser adotada gradualmente e agora se usa em todo o país em grande escala. Inclusive, o governo e as agências internacionais apreciam esta tecnologia. Teve um impacto tremendo. Não é apenas o fato de os pobres terem banheiro na Índia, mas tampouco os ricos. Nas quatro décadas seguintes à construção dos primeiros banheiros Sulabh na Índia, mais de um milhão de casas tiveram acesso a instalações seguras para a disposição de excrementos, e mais de sete mil banheiros públicos servem a milhões de pessoas. O mais significativo é que estas tecnologias foram adotadas pelo governo e outras agências em vários Estados ao longo do país. Hoje, a Índia está bem nas Metas do Milênio em matéria de saneamento. IPS/Envolverde

Fonte: Envolverde/Thalif Deen, da IPS



< voltar