Quebrar paradigmas

Data: 22/07/2009

Quebrar paradigmas


Vivemos um momento único em relação à conservação do meio ambiente. O patrimônio natural da Terra tem sido explorado além de seus limites e, se a situação continuar como está, a nossa qualidade de vida e a de nossos filhos e netos certamente estará gravemente comprometida. Diminuir os impactos que estamos causando na Terra é o desafio desta geração. Apesar de urgente, essa não é uma tarefa fácil.

A lógica recorrente segue o caminho do desenvolvimento a qualquer custo. No Brasil, particularmente, a disputa entre os setores ruralista e ambientalista é acirrada e há pouca abertura para soluções conciliatórias. Para enfrentar isso, precisamos quebrar paradigmas, criar soluções inovadoras que possam ser disseminadas. Precisamos de indignação, de uma sociedade mais participativa e atuante, de regulamentação e fiscalização efetivas.

Ainda temos a visão de que o desenvolvimento está diretamente ligado a obras de infraestrutura pesadas. Prova disso é a proposta da pavimentação da BR 319, que liga Porto Velho a Manaus e atravessa a área mais bem protegida da Amazônia, sem que a realidade regional apresente esta demanda. Com vontade política, a obra poderia ser evitada. Os recursos poderiam ser revertidos em benefício da infraestrutura fluvial ou outra demanda prioritária na região.

É necessário sairmos do discurso simplista e excludente de que a conservação é um entrave para o desenvolvimento econômico. Existem soluções aglutinadoras, que nos permitem, por exemplo, conservar as florestas sem que falte comida. Alguns exemplos são acabar com o desperdício de alimentos e investir em melhorias genéticas e práticas de manejo que aumentem a produtividade em terras agricultáveis.

Uma alternativa é a criação de mecanismos que privilegiem quem preserva, como o pagamento por serviços ecossistêmicos ou ambientais. Essa estratégia parte do pressuposto de que quem protege áreas naturais – sejam eles governos, organizações não-governamentais ou particulares – devem ser reconhecidos. Afinal, toda a sociedade se beneficia dos serviços ecossistêmicos gerados em suas propriedades, como produção de água doce, proteção do solo e regulação do clima.

A Fundação O Boticário de Proteção à Natureza tem um exemplo bem sucedido de aplicação desse mecanismo, o Projeto Oásis, que premia financeiramente proprietários de terras que protegem remanescentes de Mata Atlântica localizados numa região de mananciais da Grande São Paulo e espera poder replicar esta idéia em outros locais.

A adoção de novos modelos que conciliem a conservação da natureza com o desenvolvimento econômico é uma necessidade urgente. No entanto, sabemos que o poder econômico ainda é mais forte em todas as decisões e não podemos ser ingênuos e acreditar que essa lógica vai mudar em curto prazo. O que não é admissível num mundo globalizado é que a sociedade permita que setores, grupos ou indivíduos lucrem em cima da destruição que será paga por todos.

Para que esse poder de controle e cobrança da sociedade seja exercido, precisaremos de cidadãos mais participativos e confiantes. Além disso, é fundamental que existam instrumentos que oferecem à população meios de cobrar ações sustentáveis tanto da iniciativa privada quanto do poder público. Por exemplo, é preciso estabelecer regras para a produção, de modo que todo o ciclo de vida dos produtos seja compatível com a conservação da natureza.

O apoio dos cidadãos à proteção do meio ambiente é essencial, pois a luta contra o poder econômico é desigual. O setor ambientalista é carente de união e recursos para poder se organizar e atuar em tempo hábil. Por outro lado, os setores ruralista, do agronegócio e outros grandes impactantes do nosso patrimônio natural são organizados, têm recursos e assessoria profissional e, portanto, têm facilidade de garantir seus interesses. Por várias vezes vimos um setor inteiro degradando o país sem sofrer qualquer conseqüência. Isso acontece porque ainda falta informação, regulamentação, mas principalmente, porque há impunidade.

Se o Brasil quer ser um player global, terá que rever, necessariamente, seu tratamento à questão ambiental. O primeiro passo é assumir que a conservação da natureza ainda não se encaixa no nosso modelo de desenvolvimento e que essa situação pode sim ser revertida. Só que isso precisa ser feito agora, enquanto ainda há tempo para protegermos pelo menos parte do que resta do nosso rico e exuberante patrimônio natural.

Malu Nunes é engenheira florestal, mestre em Conservação da Natureza e diretora executiva da Fundação O Boticário de Proteção à Natureza.


Fonte: Plurale


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