Emergentes se unem em acordo climático

Data: 16/06/2009

Emergentes se unem em acordo climático


Nos últimos minutos da reunião preparatória de Bonn, o Brasil liderou uma manobra tática para impedir que o Protocolo de Kyoto morra depois de 2012. Junto com outras 37 nações apresentou uma proposta de redução de 40% nas emissões dos gases-estufa dos países ricos entre 2013 e 2020, quando expira a vigência de Kyoto. A intromissão no terreno do vizinho foi uma estratégia dos países em desenvolvimento para avançar as negociações climáticas.

Até aquele momento, os industrializados não haviam apresentado nenhuma meta de corte dos gases de efeito-estufa para o intervalo 2013- 2020. O risco era perder o prazo de 17 de junho, data estabelecida pela ONU para que estejam na mesa todas as propostas que se quer discutir na conferência de Copenhague, daqui a seis meses. Na sexta-feira, a Rússia havia vetado qualquer nova meta dos países industrializados.

Os ricos, que são os grandes poluidores do passado, querem um novo acordo em Copenhague, com a inclusão de novos atores na lista de cortes, para abandonar Kyoto. O bloco dos países em desenvolvimento, onde estão as economias emergentes e grandes poluidoras do presente, não quer. China, Brasil, Índia e África do Sul concordam que a trajetória de crescimento de suas emissões seja contida, mas sem metas internacionais obrigatórias.

"Não houve acordo nas metas dos países desenvolvidos e isso estrangularia o futuro do Protocolo de Kyoto", disse o ministro Luiz Figueiredo Machado, líder dos negociadores brasileiros e que leu no plenário a proposta de metas assinada em conjunto por emergentes e outros 33 países. "Se você quer um acordo razoável, ambicioso e realista em Copenhague, não tem que mudar as regras do jogo agora" dizia o embaixador Sergio Serra, porta-voz para a mudança do clima do Itamaraty. "O que negociamos em Báli não foi isso."

"Manter o protocolo de Kyoto vivo é uma prioridade, mas é fácil para os países em desenvolvimento só olharem as reduções dos outros", analisava João Talocchi, coordenador da campanha do clima do Greenpeace-Brasil. "Estamos contentes que os países em desenvolvimento voltaram a mostrar liderança", animava-se uma ativista chinesa do WWF. Os representantes dos ricos não fizeram nenhum comentário sobre a iniciativa.

Há uma confusão de números neste momento no debate do clima. A recomendação do IPCC, o braço científico da ONU, é que os cortes de emissões em 2020 fiquem entre 25% e 40%, em relação aos volumes de 1990, para que a temperatura do planeta aumente no máximo 2°C no fim do século. A UE fala em 20% a 30% desde que outros façam o mesmo e considera 1990 como ano-base.

Os EUA trabalham com menos 17% em 2020, mas tem 2005 como ponto de referência. Segundo a ONU, as promessas de cortes até agora variam de 16% a 26% em relação a 1990, o que é considerado insuficiente. Na conta das ONGs estes números estão errados e representam entre 6% e 13% na melhor das hipóteses. "É preciso ter clareza nas metas", repetia como um mantra o holandês Yvo de Boer, secretário-executivo da Convenção do Clima.

No meio do encontro de Bonn os negociadores souberam que estava havendo uma reunião bilateral sobre mudança climática entre China e EUA, na China. Os dois países respondem por 40% das emissões de gases-estufa do mundo. "Para os EUA, o acordo do clima parece ser um acordo EUA-China", dizia Mark Lutes, conselheiro do WWF no Canadá. O que discutiram ninguém soube. Mas, ao voltar a Bonn, o chefe dos negociadores dos EUA, Jonathan Pershing, deixou algum otimismo no ar ao fazer uma referência ao slogan da campanha de Obama, o "Yes, we can": "Nós podemos e nós estamos buscando chegar a um acordo abrangente em Copenhague."

'Há pouca vontade política para tomar decisões', diz Greenpeace

O engenheiro florestal alemão Martin Kaiser acompanha há dez anos os encontros internacionais da ONU nas convenções do clima e da biodiversidade. Este especialista nos meandros diplomáticos lidera o time do Greenpeace em mudança climática e dispara ações como a sirene que ficou buzinando no ouvido de delegados de 190 países na semana passada, em Bonn, em frente ao hotel Maritim, onde ocorria uma rodada de discussões, para que 2009 termine com um acordo a ser assinado em Copenhague. O alarme era para lembrar os membros dos governos da urgência do tema e chacoalhar a lentidão do processo.

O encontro de Bonn terminou morno. O texto inicial de negociação, que tinha 50 páginas, foi enxertado de todos os lados e acabou quatro vezes maior. Kaiser viu pouco avanço no que realmente importa - cortes vigorosos nas emissões de gases-estufa, dinheiro sobre a mesa e apoio a quem precisa se adaptar à mudança do clima. "Estamos falando de um valor bem razoável se comparado aos recentes pacotes de estímulo dados ao setor financeiro", diz.

Global, aqui, só a falta de liderança e vontade política para que se chegue a um acordo justo, aponta. O líder do Greenpeace, talvez a maior ONG do mundo, enxerga a reunião do G-8, em julho, na Itália, como "um momento crítico" neste processo. Ele acha que a crise econômica lançou uma cortina de fumaça sobre o debate e que o possível renascimento da indústria nuclear significa "substituir uma ameaça por outra". A seguir, trechos da entrevista que ele deu ao Valor em Bonn:

- Há chance de se fechar um acordo climático no fim do ano?

Temos tempo o bastante para conseguirmos um acordo histórico em Copenhague. Mas há pouca vontade política de se tomar decisões que evitem que o aumento da temperatura global fique longe dos 2°C. Os países industrializados não querem reduzir suas emissões de gases-estufa em 25% a 40% em 2020, em relação a 1990 como recomendam os cientistas do IPCC.

- Por que todos esperam pelo primeiro passo do outro?

As negociações estão travadas há mais de um ano, desde a conferência de Báli. Acho que os industrializados não se prepararam para fazer cortes realmente profundos de emissões para os próximos 10 anos, o que, claro, significará uma imensa mudança nas suas economias.

- Entre Báli e Copenhague apareceu uma crise econômica...

E colocou prioridades na agenda dos líderes mundiais acima da mudança climática, o que é um grande erro.

- Não é razoável?

Não. A mudança climática oferece respostas para a crise econômica no cenário de uma economia de baixo carbono, mas esta oportunidade é subestimada pelos governos. Poderia ser a saída para equacionar ambas as crises, a da economia e a do aquecimento global. Muitas pessoas no mundo já têm que lidar com enchentes, tempestades e secas. Mas o forte lobby da indústria do carvão, nuclear e do petróleo paralisa as negociações.

- A indústria nuclear argumenta que é uma energia limpa.

Não se pode substituir a energia fóssil pela nuclear. Não se deve trocar um risco por outro. É possível hoje ter energia renovável nas casas, escolas, prédios públicos. Trata-se de adotar um sistema descentralizado de produção, mas este não é o interesse dos fornecedores de energia.

- O que os países em desenvolvimento podem fazer para que se saia deste ponto morto?

O grupo oficial dos países em desenvolvimento não é mais homogêneo. Ali estão nações ricas como Cingapura e Coreia do Sul que têm que ter metas de redução de emissões também. Há um grupo de países bem menos desenvolvidos e que dependem de um acordo forte ou não irão sobreviver. E emergentes que devem se comprometer com objetivos em que tentam conseguir reduções. Para o Brasil, o grande desafio é parar com o desmatamento até 2020. Claro, tem que existir suporte financeiro para estes objetivos, mas também há a responsabilidade de deixar a economia mais verde.

- Quanto dinheiro precisa aparecer na mesa?

É preciso garantir um bom volume de dinheiro público para investimento em tecnologias novas de baixo carbono. Mas coloque isto em perspectiva: estamos falando de um valor bem razoável se comparado aos recentes pacotes de estímulo dados ao setor financeiro. Seriam US$ 140 bilhões ao ano para reduzir emissões, proteger florestas e adaptar os países em desenvolvimento. E bastante investimento privado para sair da economia intensiva em CO2.

- Como vê a promessa de liderança dos EUA?

Liderança significa levar a política dos EUA para outra dimensão, para as necessidades da mudança climática. O presidente Obama estará na reunião do G-8, na Itália, em julho, pela primeira vez depois da era Bush. Espero que venha com uma meta de menos 25% a 40% nas emissões dos EUA.

- Porque a União Europeia perdeu a dianteira?

Há poucos dias, em um encontro em Paris, a chanceler alemã Angela Merkel disse que não podia colocar em risco o interesse da indústria dando muita prioridade à mudança climática. Isto é inaceitável. Merkel não faz a conexão entre a crise financeira e a oportunidade da economia de baixo carbono. Mas precisamos também de uma liderança europeia ou Copenhague corre o risco de ser determinado apenas pelo que será possível conseguir no trâmite da legislação no Congresso americano.

- A reunião do G-8 é a hora de desbloquear a negociação?

É um momento crítico. Sem o compromisso dos chefes de Estado nada vai andar pra frente. Também é a hora de se colocar dinheiro na mesa ou vai ficar muito difícil chegar a um acordo. Líderes de países fundamentais como o presidente Lula ou Hu Jintao, da China, estarão conversando. Lula pode contribuir muito para a construção de uma relação de confiança entre os chefes de Estado e para que se chegue a um tratado histórico em Copenhague. A ciência fala em urgência. Não dá para atrasar nenhuma decisão.



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