Agricultura-Iêmen: Cultivo de khat ameaça reservas hídricas

Data: 04/06/2009

Agricultura-Iêmen: Cultivo de khat ameaça reservas hídricas


Sana’a – Os arbustos verdes da fazenda de Yehia Abdyullah, nas montanhas de Haraz, produzem as folhas amargas e suavemente narcóticas que alimentam o principal vicio do Iêmen. Trata-se do khat (Catha edulis), que é mastigado por mais de sete milhões de seus habitantes.

A expansão deste cultivo para atender a crescente demanda nacional está esgotando as já limitadas reservas de água subterrânea do país, afirmam os especialistas. “A agricultura representa cerca de 90% do consumo de água subterrânea do Iêmen e pelo menos 30% desta água são usados apenas para cultivo do khat”, disse Noori Gamal, especialista do Ministério de Água e Meio Ambiente.

A Autoridade Nacional de Recursos Hídricos calcula que o país conta com 2,5 bilhões de metros cúbicos anuais renováveis, enquanto mais de 3,4 bilhões de metros cúbicos correspondem ao consumo anual. Como o consumo supera tanto a recarga natural, esgotar a água subterrânea é apenas questão de tempo.

“O lençol freático está baixando até seis metros por ano em algumas áreas. Em lugares onde a água ficava perto da superfície, agora é preciso perfurar centenas de metros para encontrá-la. Algumas reservas subterrâneas já estão esgotadas”, disse Gamal.

O uso de água por pessoa no Iêmen, estimado em 125 metros cúbicos por ano, já está entre os mais baixos do mundo. Os funcionários do Ministério da Agricultura e Irrigação preveem que a cota anual por pessoa de recursos hídricos anuais caia para 62,5 metros cúbicos, quantidade crítica, nos próximos 15 anos, a menos que sejam tomadas medidas drásticas.

Enquanto isso, os cultivos de khat continuam aumentando devido à sua rentabilidade, cerca de cinco vezes maior do que os de uva e até 20 vezes superior ao de batatas, segundo os produtores. O principal cultivo comercial do Iêmen agora ocupa cerca de 145 mil hectares de terra, contra os 80 mil hectares que ocupava a uma década.

O vale onde Abdullah cultiva seus arbustos de khat antes foi famoso por suas plantações de frutas e café. Mas, “o café não é um cultivo seguro. As plantas de café dão frutos apenas no outono, e os preços do mercado mudam segundo muitos fatores. O khat produz folhas o ano todo, e sempre há uma alta demanda”, explicou Abdullah, que cuida dos cultivos portando um rifle AK-47.

Ele insiste que o khat não é um arbusto que exija um consumo intensivo de água. O problema é que os cultivos são irrigados da maneira tradicional, o que faz gastar muito líquido. “Criamos terraças e as inundamos. Mas, também evitamos dar muita água, porque dessa forma as folhas crescerão até ganhar um tamanho que as faça perder valor”, afirmou.

Os especialistas em agricultura dizem que entre 20% e 30% de água podem ser economizados por ano aplicando modernas técnicas de irrigação, como as feitas por gotejamento e sistemas de microtubos com bolhas. Mas, o baixo de bombear água dá aos produtores pouco incentivo para adotar essas técnicas.

Um estudo apoiado pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), intitulado “Para a formulação de uma exaustiva política do khat”, que de fato é a estratégia nacional, pediu urgência na eliminação dos subsídios ao combustível, à eletricidade e aos fertilizantes para incentivar os produtores de khata a adotarem técnicas de irrigação mais eficientes ou passar a outro cultivo.

O diesel, usado para bombear água subterrânea, representa cerca de 80% do custo de cultivar khat. O estudo também recomenda outras medidas, como taxas suas vendas e estender o crédito aos produtores de frutas e verduras, como maneira de promover cultivos alternativos.

“Os agricultores estão motivados pelos ganhos, independentemente de seu analfabetismo ou de seu baixo nível de instrução. Daí que um dos principais meios para controlar, reduzir e possivelmente erradicar a produção do khat seja identificar vários cultivos substitutos capazes de lhes dar ao menos uma renda equitativa”, diz o informe.

A investigação sugere que o café e, em menor grau, as uvas podem competir com a rentabilidade do khat em algumas áreas, embora estes cultivos ofereçam economia hídrica insignificante. Noor prefere o cactus, uma planta suculenta (que armazena muito mais água que o normal em seu inteior) ideal para o clima árido do Iêmen.

“O cactus produz um fruto delicioso e saudável, e não precisa de irrigação”, explicou. “Se alguém corta uma folha de cactus e a joga ao solo em qualquer parte do país, crescerá sem ajuda alguma”, acrescentou. Eliminar os subsídios ao khat enquanto se introduz incentivos para que os agricultores se dediquem a cultivos alternativos parece uma estratégia efetiva para iniciar uma mudança em grande escala.

Mas, “infelizmente, não é tão simples”. O khat é uma importante fonte de impostos e está no centro de toda corrupção no Iêmen. Cerca de 50% dos tributos provêem deste cultivo, mas isto é apenas um terço do lucro real que gera. Todos, desde os produtores até os máximos funcionários, estão envolvidos no comércio do khat”, afirmou Noori.

Embora o governo faça amplas declarações sobre sua intenção de reduzir o consumo e cultivio da planta narcótica, qualquer esforço genuíno é desbaratado de dentro para fora, acrescentou. Boa parte do khat “na realidade é cultivada em terras fiscais, por isso os funcionários envolvidos bloquearão qualquer tentativa de reduzir seu mercado”, afirmou.


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