A biodiversidade, lá fora e por aqui
Fonte: Envolverde / O Estado de S. Paulo
Por Washington Novaes
Talvez não haja demonstração melhor da possibilidade de eliminar uma agressão ao meio físico, que teria consequências graves para a saúde humana, do que a descrita no mais recente relatório anual do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) 2014. Trata-se da recuperação da camada de ozônio, com o banimento mundial (via Protocolo de Montreal) do uso de substâncias que afetam a camada de ozônio, principalmente os clorofluorcarbonos (CFCs), no total de 135 bilhões de toneladas equivalentes de dióxido de carbono.
Com isso, diz o relatório, 283 milhões de casos de câncer de pele foram evitados, dos quais 8,3 milhões de melanomas; 1,6 milhão de mortes por câncer de pele; 46 milhões de casos de catarata. E a cada ano mais 2 milhões de casos de câncer de pele serão evitados, até 2030, além de outros milhões de casos de catarata. Só nos Estados Unidos, afirmou o Pnuma em 2014, o custo de tratar 4,9 milhões de adultos com câncer de pele implicou gastos de US$8,1 bilhões entre 2007 e 2011.
Os avanços deveram-se principalmente às descobertas científicas, no fim da década de 1970 e começo da de 1980, de que os CFCs afetam a camada de ozônio e poderiam permitir a intensificação na Terra dos raios ultravioleta, levando ao câncer de pele em praticamente todo o mundo. Na prática, todas as pessoas poderiam ser afetadas desde os fabricantes aos usuários e outros expostos. Rapidamente se chegou, então, ao Protocolo de Montreal, hoje com 128 signatários. Serão necessárias ainda novas medidas para adaptar países a mudanças e um repúdio universal aos agentes destruidores da camada de ozônio, que, já com 98% do problema afastado, chegará a 100% até meados do século.
E por que não se chega ao mesmo resultado em outras questões que prejudicam o meio físico e atingem as pessoas? Um dos casos mais danosos é a questão da emissões de poluentes que elevam a temperatura planetária, ameaçam com mudanças drásticas no clima e já se traduzem, só com a poluição do ar, em 7 milhões de mortes por ano, de acordo com o Pnuma. Mais de US$ 300 bilhões/ano serão necessários só para 24 países, segundo a ONU, e há enorme dificuldade em conseguir recursos. Mais ainda para chegar a mudanças na matriz energética mundial áreas em que é preciso enfrentar o poderio das empresas de petróleo, gás e carvão. Embora as informações ainda não sejam unânimes, vários relatórios falam até em mais de US$ 1 trilhão por ano em subsídios a elas. Mas há avanços. As energias renováveis aumentaram 56% em 2014 e hoje já significam 22% do total de energias no mundo, na visão do relatório sobre o setor.
E ainda se pretende chegar mais adiante. O relatório do Pnuma e alguns parceiros mencionam avanços na área de programas e equipamentos eficientes em energia que poderão reduzir o consumo mundial em mais de 10% e economizar US$ 350 bilhões por ano. Além disso, contabilizam mais de cem países tendo avançado nos esforços para conseguir redução da temperatura terrestre (relatórios de outras instituições têm afirmado que a temperatura continua subindo e poderá chegar a mais 3 graus em meados do século).
Também estudos de 2014 da Organização Meteorológica Mundial, confirmados pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (da Convenção do Clima), asseguram que entre 1901 e 2012 a temperatura média no planeta já subiu 0,89 grau Celsius e poderá elevar-se em 3 graus Celsius até 2035. Com isso, uma das ameaças mais fortes será para a produção de alimentos, com mudanças nas chuvas e elevação do nível dos oceanos (afetando áreas costeiras e infraestruturais). Assinala o Pnuma que desde o início do atual milênio aconteceram no mundo 10 mil desastres naturais e desastres industriais, com milhões de mortes e destruição de ambientes e recursos naturais. A ausência de políticas de conservação de recursos água, terra e florestas essenciais está entre os maiores fatores de risco.
Há indicações mais otimistas também no documento do Pnuma: 56 países trabalharam com a instituição em programas de valoração de serviços ecossistêmicos e contabilização do capital natural. O relatório Planeta Protegido verificou que 15,4% das áreas terrestres inclusive as cobertas por águas e 3,4% das áreas oceânicas estão agora protegidas; 6,1 milhões de quilômetros quadrados (aproximadamente a área da Austrália) foram incluídos desde 2010; e mais 1,6 milhão de quilômetros quadrados, de 2012 para cá. O objetivo é chegar a 2020 com 175 de áreas terrestres do mundo e 105 das oceânicas protegidas.
Neste ponto entra a questão do lixo nos oceanos: 11 de 27 países avaliados (82 têm planos de ação) fizeram progressos. Numa assembleia do Pnuma foi aprovada resolução para eliminar das águas resíduos plásticos hoje um grave problema. Outro sinal do aumento da conscientização, de acordo com o relatório, está em que 128 países signatários da Convenção de Minamata sobre o mercúrio têm mostrado no mercado financeiro a consistência de seu compromisso de incorporar nos investimentos ambientais os riscos financeiros, assim como a parceria para veículos e combustíveis limpos a ponto de apenas três países ainda usarem gasolina com chumbo.
Numa hora de notícias boas, é pena que o Marco Legal da Biodiversidade, sancionado pela Presidência da República, ainda contenha dispositivos que podem prejudicar os conhecimentos de nossos povos tradicionais para favorecer as finanças de setores como a indústria farmacêutica. Os povos tradicionais são o melhor caminho para a conservação da biodiversidade, segundo tantos estudos. E, diz a revista Nature (abril), desde o ano 1500 atividades econômicas já reduziram em 13,6% as espécies de ecossistemas locais.
Ao mesmo tempo, porém, chegam notícias como a de que o açafrão pode ajudar a eliminar o mosquito transmissor da dengue. Não é pouco.
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