Centro de inovação aberta da Unicamp completa um ano

Data: 09/03/2016
Fonte: Agência Fapesp
Responsáveis por regular processos importantes do organismo, como divisão, proliferação e diferenciação celular, as enzimas quinases são consideradas alvos prioritários para o desenvolvimento de fármacos. No entanto, estima-se que apenas 40 das cerca de 500 proteínas desse tipo identificadas no genoma humano já tenham sido bem estudadas.

Atualmente, há 31 compostos capazes de inibir a ação de enzimas quinases aprovados pela Food and Drug Administration (FDA) – a agência regulamentadora de alimentos e remédios dos Estados Unidos –, sendo 27 para o tratamento de câncer, um para síndrome mielodisplásica, um para artrite reumatoide e um para fibrose pulmonar idiopática.

Na avaliação de especialistas, há ainda muitos alvos terapêuticos potenciais a serem explorados e, com a missão de fazer avançar o conhecimento na área em um modelo de inovação aberta, foi inaugurado há cerca de um ano o Centro de Biologia Química de Proteínas Quinases, da Universidade Estadual de Campinas (SGC-Unicamp).

Apoiado pela FAPESP por meio do Programa Parceria para Inovação Tecnológica (PITE), o centro integra o Structural Genomics Consortium (SGC), uma parceria público-privada que reúne cientistas de universidades, indústrias farmacêuticas e entidades sem fins lucrativos de apoio à pesquisa.

O SGC também conta com centros em Oxford (Inglaterra), Toronto (Canadá) e, mais recentemente, abriu unidades na Carolina do Norte (Estados Unidos), Estocolmo (Suécia) e Frankfurt (Alemanha).

Todas as equipes que integram o consórcio estiveram reunidas pela primeira vez no Brasil, no dia 7 de março, para participar do workshop New Horizons in Medicinal Chemistry of Protein Kinases (Novos Horizontes em Química Medicinal de Proteínas Quinases). O encontro reuniu pesquisadores já vinculados ao SGC e também potenciais colaboradores para a apresentação de estudos voltados a desvendar a estrutura cristalográfica e desenvolver inibidores para um grupo de 27 proteínas quinases humanas sobre as quais muito pouco se conhece.

“Os centros de Oxford, Frankfurt e da Carolina do Norte trabalham em parceria com a Unicamp. O objetivo é desenvolver, dentro de cinco anos, sondas químicas para 27 quinases. Certamente, até o fim do próximo ano estaremos vendo os primeiros resultados práticos desse trabalho, ou seja, a descoberta de como essas quinases participam de mecanismos causadores de doenças”, afirmou Aled Edwards, fundador e presidente do consórcio.

Sonda química é uma pequena molécula capaz de se ligar de maneira específica a uma enzima-alvo e inibir o seu funcionamento. Ao fazer isso em culturas celulares ou modelos animais, os pesquisadores podem descobrir quais são os processos regulados pela quinase nas células e entender como isso está relacionado com o surgimento de doenças.

Segundos dados do SGC, o desenvolvimento de uma sonda química pode levar entre 18 meses e 2 anos e custar somas muitas vezes proibitivas para o meio acadêmico. Para a indústria farmacêutica, por outro lado, investir no estudo de quinases sobre as quais nada se sabe – sem nenhuma garantia de que a pesquisa poderá resultar em algo lucrativo – representaria um risco grande. Por isso surgiu a ideia de unir esforços em um modelo de inovação aberta, no qual todos os resultados de pesquisas ficam disponíveis à comunidade científica mundial, sem o obstáculo imposto por patentes ou qualquer outro acordo de propriedade intelectual.

As farmacêuticas parceiras do SGC, entre elas GlaxoSmithKline (GSK), Novartis, Pfizer e Bayer, se comprometeram a disponibilizar algumas sondas químicas já existentes em sua biblioteca de compostos e ajudar no desenvolvimento de pelo menos 15 novas moléculas voltadas a investigar o funcionamento de quinases ainda pouco conhecidas pela ciência.

A empreitada deve contar em breve com um novo parceiro 100% nacional: o laboratório Aché, conforme anunciado durante o workshop realizado na última segunda-feira.

“Neste primeiro ano de funcionamento do centro da Unicamp conseguimos equipar o laboratório, contratar os pesquisadores e começamos a colher os primeiros resultados. O mais importante é que estamos começando a formar uma rede de colaboradores aqui no Brasil, incluindo o laboratório Aché. Eles ficarão responsáveis pelo desenvolvimento de sondas químicas e nós pela parte de biologia estrutural”, contou Paulo Arruda, pesquisador da Unicamp responsável pelo centro do SGC no Brasil.

De acordo com Cristiano Guimarães, diretor da Área de Inovação Radical do Aché, a empresa vem investindo no desenvolvimento de novos ativos farmacêuticos há alguns anos, porém, até o ano passado, a síntese de moléculas com potencial terapêutico era feita por terceirizados.

“Nós desenhávamos as moléculas, contratávamos empresas para sintetizá-las e fazíamos o gerenciamento dos projetos. Mas, nos últimos anos, temos buscado internalizar as etapas de execução e para isso foi criado o Laboratório de Design e Síntese Molecular dentro do Aché”, contou.

A unidade foi inaugurada em novembro de 2015 e, segundo Guimarães, abriu a possibilidade de a empresa ingressar no SGC.

“Não fazemos inovação em biologia no Aché. Temos um laboratório para sintetizar moléculas capazes de interagir com alvos que já estão estabelecidos. Participar desse consórcio é uma maneira de acessar novos alvos terapêuticos, ficar nesse vórtice de inovação que permite colher informações, trocar ideias e novos projetos nascem”, explicou.

Medicina de Precisão

Na abertura do workshop, o vice-presidente da FAPESP, Eduardo Moacyr Krieger, disse que a instituição está orgulhosa de colaborar com a iniciativa – um bom exemplo de como a academia pode interagir com a indústria para consolidar a pesquisa e o desenvolvimento em diferentes áreas.

“Estamos na era da Medicina de Precisão e, para que ela possa ser viabilizada, é essencial conhecer os mecanismos biológicos envolvidos nas diferentes doenças que acometem os humanos. Somente assim é possível desenhar drogas capazes de interferir nesses mecanismos”, disse Krieger.

O pesquisador da Universidade de Oxford Opher Gileadi, que no último ano esteve no Brasil para ajudar a organizar o funcionamento do centro da Unicamp, destacou que o apoio da FAPESP permitiu montar um laboratório compatível com os demais centros do SGC.

“Há um ano tínhamos o dinheiro aprovado, mas uma sala vazia e apenas duas pessoas. Hoje temos um verdadeiro centro do SGC”, comemorou.

O centro da Unicamp também tem a missão de investigar o papel de quinases importantes na biologia de plantas para, por exemplo, descobrir como tornar plantas importantes para a agricultura mais resistentes à seca. No entanto, segundo Arruda, as atividades neste primeiro ano estiveram voltadas principalmente à parte de química medicinal.


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