Para diretora da Unesco e Nobel da Paz, mudança de comportamento é principal solução

Data: 07/05/2015
Fonte: Sanepar

Mudança de comportamento é a principal arma para combater a escassez de água

Em Curitiba para uma agenda de palestras, a pesquisadora Blanca Jiménez-Cisneros, diretora da Divisão de Ciências da Água e da Secretaria do Programa Hidrológico Internacional (IHP) da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Cultura e a Ciência (Unesco), fez questão de reforçar o papel da mudança de comportamento em relação à água como a solução mais importante para a questão da crise hídrica.

“Precisamos de decisões técnicas, de planejamento, de investimentos e de muitas outras coisas. Mas é fundamental que a educação nos leve a um novo modo de nos relacionarmos com a água, fator de estabilidade e paz social. A sobrevivência e o desenvolvimento passam pelo acesso à água, que, mesmo essencial, ainda não está disponível para todos e, em muito, é desperdiçada. Já não é possível que uma descarga de banheiro use 20, 40 litros de água potável quando pode funcionar perfeitamente com 3 a 6 de água de reúso”, afirma.

Segundo ela, a cultura de que a água é infinita faz com que se desperdice muito. “Passamos a nos preocupar seriamente com a água quando aparece a crise. É como a preocupação com a saúde, depois que se está enfermo. A única maneira de ter um meio eficiente de manejo da água é através de uma mudança de mentalidade”.

Blanca faz parte do premiado grupo de cientistas que recebeu o Nobel da Paz em 2007 por, voluntariamente, participarem das pesquisas do Painel Intergovernamental para as Mudanças Climáticas (IPCC - Intergovernamental Panel on Climate Change). Ela é uma defensora das ideias ligadas à segurança hídrica e aos direitos sobre o uso da água.

“Quando tratamos do acesso passamos por várias questões que não incluem apenas o fator financeiro, os recursos, as tecnologias para levar a água até as populações. Incluem-se também as discussões de gênero, aspectos éticos, culturais, religiosos e muitos outros. E é com educação e conscientização que podemos mudar os comportamentos e facilitar o direito à água”.

A diretora conta o caso de países com escassez hídrica onde a religião proibia o reúso da água, uma das formas de melhor manejo do recurso, por considerá-la impura. “Foi necessário um trabalho de educação e conscientização para que os líderes religiosos muçulmanos editassem fatwas, estabelecendo para a população que a água de reúso era pura e poderia ser utilizada”, conta. Fatwa é um pronunciamento legal do Islã que pode permitir ou reprimir comportamentos.

ÁGUA VIRTUAL - Para a cientista, o processo de mudança de comportamento, no entanto, não está apenas na educação formal, embora tenha grande necessidade de fazer parte dela. “Não só os professores em sala de aula com seus alunos pequenos precisam atuar pela valorização da água, mas jornalistas, companhias de saneamento, empresas e indústrias de todos os ramos, governos... A educação precisa chegar às crianças, mas também aos jovens, aos adultos, a todos. Tudo o que produzimos precisa de água em seu processo de produção: uma xícara de café precisa de 200 litros de água e um bife precisa de mil litros. É o que chamamos de água virtual: a água não vemos, mas que empregamos na cadeia produtiva. Levar isso ao conhecimento de todos estimula a população a não desperdiçar e a entender que é urgente considerar a água como um bem comum que precisa de um uso mais racional”, diz.

REÚSO - Em relação ao manejo mais adequado, Blanca diz que é preciso pensar em três questões: perguntar-se se em todas as coisas para as quais usamos água hoje esse uso realmente é necessário; perguntar-se se aquele uso precisa mesmo da quantidade de água empregada ou se essa quantidade pode ser reduzida; e avaliar a possibilidade de reúso.

“Embora possa existir preconceito em relação a essa última questão, é importante lembrar que, de fato, o reúso já acontece, seja pelo ciclo hidrológico seja pelo reúso não planejado, não intencional. Sempre tivemos a mesma quantidade de água na terra e ela é reutilizada por todos”, explica a cientista. Blanca explica que o temor do reúso se dá porque existe difundida entre a população a idéia de que a água já usada é ruim.

“Hoje sabemos quais são os contaminantes e como podemos tratar a água que já foi usada para permitir que ela seja usada novamente. O que é contaminante para um uso, pode não ser para outro. Fósforo, nitrogênio e carga orgânica não servem para a água de beber, mas são ótimos para a agricultura porque servem como fertilizantes. Assim como a água de beber não é limpar o suficiente para a produção de alguns circuitos eletrônicos. Ou seja: o conceito de qualidade depende do uso”, conta.

Ela cita que a água de reúso pode ter diversos usos, como lavar carros, praças, ruas, ser utilizada em lagos, chafarizes e fontes ornamentais, na agricultura, na indústria, para derreter ou criar neve. E faz um alerta: dessalinizar a água é mais caro que reutilizá-la.

Blanca conta que Tókio, no Japão, é líder em reúso de água no mundo, mas há muitos outros bons exemplos de reúso da água em todos os continentes. E vão desde países como Túnez e Jordania aos Estados Unidos e Canadá. É histórica a experiência do México, onde reúso começou pela indústria, em 1956, mas há um largo emprego pela agricultura também. A Namíbia utiliza água de reúso para consumo humano há mais de 40 anos, sendo o primeiro país com esse emprego para a água reutilizada. No Brasil, ainda não temos legislação sobre o reúso da água, mas há eficientes exemplos no país, como é o caso da Central de Tratamento de Efluentes (CETREL), em um condomínio industrial em Camaçari, na Bahia.

NOBEL - O Painel Intergovernamental para as Mudanças Climáticas (IPCC) foi criado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e pela Organização Meteorológica Mundial em 1988 com o objetivo de gerar dados e informações científicas, econômicas, sociais e técnicas sobre o assunto, ajudando a entender os fenômenos ligados às mudanças climáticas, suas consequências, também sugerindo soluções para a questão. Foi a própria natureza do IPCC e o resultado do trabalho de seus cientistas que levou o Comitê Nobel norueguês a premiá-los, dividindo, naquele ano, o reconhecimento com o ex-vice-presidente norte-americano Al Gore.


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